Vai passar! As coisas voltarão ao normal. É o que dizemos a nós mesmos quando nos incomodamos com o isolamento social. Sim, vai passar, mas não será rapidamente, e sim em etapas, sujeitas a retrocessos. E não voltaremos ao antigo normal, que diga-se de passagem, não era nada perfeito, mas a um novo normal. O novo distanciamento social, menos rigoroso, ainda imporá limites aos encontros e banirá por um longo tempo as aglomerações. Isto afetará o modo como deveremos nos comportar nos espaços públicos e como circularemos. A OMS recomenda, sempre que possível, preferir o caminhar e a bicicleta, como meios de locomoção. Seria um desastre para nossas cidades se a alternativa aos meios de transporte coletivos fosse o retorno ao automóvel. E é preciso que possamos lavar as mãos com frequência, hoje em dia uma opção inexistente em nossas ruas e praças.
Esse novo normal, por transitório que seja, exige a adaptação das cidades em tempo recorde, como nas construções dos hospitais de campanha. Uma boa resposta vem do chamado urbanismo tático. Nascido do interesse em reverter a ordem das intervenções urbanas, de cima para baixo, ou seja, do poder público para as comunidades, o urbanismo tático é a expressão da iniciativa local, com intervenções rápidas e baratas, capazes de alterar usos de trechos dos espaços públicos. Exemplos disso são os “parklets”, que são as transformações de vagas de automóveis em espaços de estar junto às calçadas. Ou as ocupações de trechos do asfalto com pinturas, que já vinham sendo feitas em Barcelona, por exemplo. Ou mesmo as nossas tradicionais ruas de lazer aos domingos, muito comuns na Zona Norte, quando o poder público reconhece o fechamento de ruas pelos moradores para jogos e brincadeiras.
As técnicas do urbanismo tático, agora praticadas pelo poder público, têm sido aplicadas em cidades como Milão e Barcelona, em regime de urgência, para receberem o público, que vai seguindo as fases de relaxamento do isolamento social. Pistas de rolamento têm recebido pinturas de piso e mobiliário urbano, para serem usadas como extensão das calçadas. A ideia é que andemos afastados uns dos outros. Rapidamente, ciclofaixas têm sido criadas, inclusive com os sentidos de direção distantes entre si, para evitar proximidade entre ciclistas. Novos pontos de bicicletas de aluguel e bicicletários também estão sendo implantados, para que aconteça a desejada prioridade ao transporte cicloviário.
Até que tudo se acalme, atividades, antes exercidas em locais fechados, deverão acontecer em espaços abertos. Nos parques de Milão estão sendo criadas áreas para exercícios físicos e áreas para concertos e apresentações teatrais ou musicais. Ruas próximas a praças têm sido fechadas ao trânsito de veículos, para aumentar as áreas das mesmas. E surgiram pontos de controle de acesso de frequentadores a esses locais, visando evitar aglomerações. Em Barcelona até os espaços dos frequentadores das praias foram demarcados.
É aí que nos perguntamos, e o nosso Rio de Janeiro? O prefeito, contrariando o seu comitê científico, quer reabrir logo a cidade, para dar satisfações ao presidente negacionista. Para eles, trata-se da volta ao antigo normal, negligenciando os riscos evidentes de reaceleração do contágio. Nenhuma cidade reabriu em meio a uma curva ascendente de contágio, como está sendo proposto aqui. E não se sabe, até o momento, de preparativos dos espaços da cidade para a reentrada do público nas ruas, parques e praias.
Alguém imagina ser possível voltar a transitar em segurança nas calçadas das avenidas Rio Branco ou Nossa Senhora de Copacabana, cheias de pessoas se esbarrando, como sempre? E nas ruas do Saara? O que dizer das praias em dias ensolarados? Assim como se perdeu um tempo precioso de preparação para a pandemia, que há muito se anunciava, agora estamos perdendo tempo na preparação da cidade para o novo normal, por transitório que ele seja. O momento de preparação dos espaços públicos é agora. Já o de reabertura deveria ser um pouco adiante.