Para que temos regras urbanísticas se elas são quebradas insistentemente? Veja a orla de Ipanema, inicialmente com prédios de mesma altura, em torno de cinco pavimentos. Depois o prefeito Marcos Tamoio criou a possibilidade de construção de espigões à beira mar. Estes só foram controlados quando se percebeu que projetavam sombra sobre a areia, destruindo o prazer do banho de sol e de mar, origem da valorização daqueles terrenos. Em seguida as exceções em altura para os hotéis. E o resultado é uma linha disforme, em que o poder do capital e as artimanhas dos governantes do momento definem a paisagem da cidade.
Outra forma de burla à legislação é a constante reedição da “mais valia”, a possibilidade de legalizar, mediante pagamentos, os acréscimos, puxadinhos e fechamentos irregulares de varandas dos prédios da cidade. Todos os que realizam obras ilegais já o fazem na expectativa da próxima reedição dessa regra perniciosa e puramente arrecadatória. O Prefeito Crivella inovou nesse quesito, criando a “mais valerá”, em que o infrator paga antes de executar. É a monetização da ilegalidade. Já na planta o infrator informa que não respeitará a legislação e, pagando uns cobres, fica tudo bem.
Agora o mesmo prefeito quer ampliar em muito o instituto do “mais valerá”. Usando a pandemia da Covid-19 como desculpa para a necessidade de arrecadar, Crivella encaminhou à Câmara de Vereadores o Projeto de Lei Complementar 174/2020 que vira de cabeça para baixo a legislação urbanística da cidade, jogando no lixo todos os parâmetros estabelecidos, e aumentando indiscriminadamente gabaritos das edificações e taxas de ocupação dos terrenos. A legislação urbana é colocada na barraca da feira: toda infração tem um preço. É um desastre que foi duramente criticado por diversos órgãos da sociedade civil.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU-RJ afirma que “A aprovação do PLC 174/2020 representa ameaça de danos irreversíveis à paisagem carioca, que ostenta título da Unesco de Patrimônio Cultural da Humanidade, sob o argumento de emergência da pandemia e da crise financeira que assola a municipalidade. A adoção de tal expediente avança em lógica perversa para a cidade, sem avaliações sobre suas consequências para a infraestrutura urbana e o ambiente construído como um todo. O PLC carece ainda de mecanismos que possibilitem o controle do poder público sobre a valorização extraordinária de determinadas áreas ou imóveis”.
Também o Instituto dos Arquitetos do Brasil- IAB-RJ se posiciona contrariamente ao PLC: “(…) No caso em apreço, afirma?se que nunca se viu uma tentativa tão drástica de desconhecimento de todo o arcabouço legislativo urbanístico e edilício na história da nossa cidade, na medida em que o referido Projeto de Lei altera índices e condições de quadras inteiras com impacto em conjuntos de quadras.” (…).
E o Fórum de Planejamento Urbano do Rio – FPU, movimento que congrega inúmeras entidades da sociedade civil, especialmente associações de moradores da Cidade, entidades profissionais, e entidades da sociedade civil, contesta as condições em que se deu a tramitação do projeto e a audiência pública, em meio a uma pandemia, sem efetiva participação da sociedade. O FPU ainda afirma: “A matéria tratada no PLC 174 (…) é, obviamente, matéria de caráter urbanístico, e que altera legislação de uso do solo, índices do Plano Diretor, cobrança de contrapartidas por Outorga Onerosa (sob o codinome de mais valerá), zoneamento, e até a Lei Orgânica do Município; daí sua formatação em lei complementar. E mais: declara uma vertente financeira/arrecadatória de seus fins, a caracterizar um desvirtuamento da finalidade constitucional da política urbana, consignada no art.182 da Constituição Federal que diz que: ‘A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, (…) tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes’. Portanto, usar leis urbanísticas – sobretudo temporárias – com fins financeiros-arrecadatórios, a justificar a motivação de um projeto de lei urbanístico, constitui flagrante desvio das finalidades constitucionais da lei urbanística em questão. Impõe lembrar que a Constituição Federal estabeleceu que cabe ao sistema tributário a finalidade fiscal de arrecadar tributos e outros recursos para financiamento e atendimento das necessidades básicas da população da cidade. Por mais crítica a situação atual, não é cabível distorcer o planejamento urbano para este fim, especialmente em situação de funcionamento de exceção de seus órgãos executivo e legislativo”.
Pois, ignorando todos os apelos em contrário, o PLC 174/2020 acaba de ser aprovado em primeira votação na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. O que move o prefeito e os senhores vereadores? Por que se lixam para nossa paisagem? É preciso compreender que o verdadeiro negócio da cidade, aquele que o cidadão comum não percebe, e onde fortunas são formadas, é a venda de imóveis, incorporando valorizações ocorridas por meio de obras públicas, e conquistando metragem adicional por meio de alterações e exceções na legislação. Às vésperas de uma eleição, em que tanto o prefeito, quanto os vereadores desejam se reeleger, a ajuda do capital imobiliário deve ser muito bem-vinda. Perde a cidade, perdemos quase todos. Mas, com certeza, alguns ganham.
A solução da ocupação urbana que vc está tratando é claramente uma cegueira políticamente correta que não resolve em hipótese nenhuma o problema da ocupação desordenada principalmente porque ela está à vista de todos com as favelas (comunidades) ocupando os morros da cidade e se expandido muito mais séria do que qualquer puxadinho que seja aprovado !
o nosso planejamento urbano só existe nas cabeças da Zona Sul formados paara apresentar projetos de urbanismo maravilhosos e que não funcionam ao longo do tempo porque não atendem à realidade dos transportes, da explosão populacional e das migrações internas no país ; “ela só é para inglês ver” ou “me engana que eu gosto” para quem concorda com isso