As fake news do século XIX

Sociedade Petalógica do Rossio Grande era um grupo que contornava a verdade em publicações no periódico ‘A Marmota Fluminense’

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Foto: Reprodução | DW.COM

O tema fake news tem sido muito debatido atualmente, mas este já é um problema antigo. Entre as décadas de 1830 e 1860, um grupo reuniu intelectuais no Rio de Janeiro com a missão de criar e propagar fake news, geralmente tendo como alvo deputados e outros políticos daquela época.

Esse grupo era a Sociedade Petalógica do Rossio Grande, uma associação que reuniu nomes como os escritores Machado de Assis (1839-1908) e Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), o jornalista e político Quintino Bocaiúva (1836-1912), o magistrado e político Eusébio de Queirós (1812-1868), entre outras figuras importantes da sociedade carioca.

O termo “petalógico” vem de “peta”, que significa afirmação que não condiz com a verdade. Eles reuniam-se na Praça da Constituição, hoje Praça Tiradentes, local conhecido como Largo do Rossio Grande. Suas atas eram publicadas no periódico “A Marmota Fluminense”.

Porém, alguns materiais que eles publicavam sobre figuras públicas ou fatos da sociedade daquela época acabavam assumindo contornos de verdade. Conforme pesquisa da historiadora Cristiane Garcia Teixeira, que estuda o tema em seu doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), as notas originalmente publicadas em A Marmota acabavam sendo replicadas em outros jornais e revistas da época.

Até os dias atuais, ainda não se sabe o número exato de integrantes que fizeram parte da sociedade. Uma listagem encontrada por Teixeira traz 23 nomes. Contudo, uma nota que foi publicada na imprensa da época afirmava serem cerca de cem os membros. Como o grupo esteve ativo por algo em torno de 30 anos, supõe-se que havia uma certa rotatividade. Um exemplo seria Machado de Assis, que nasceu em 1839, e só entrou nos últimos anos do grupo. 

A historiadora destaca ainda que essa produção costumava ter cunho político. Segundo ela, os mais atentos conseguiam perceber que as notas eram falsas. E o propósito do grupo era este mesmo: mostrar que alguma coisa andava errada.

Para exemplificar como funcionava, vale citar o texto publicado em 28 de janeiro de 1853. A publicação afirmava que as praias estavam em perfeitas condições e que as famílias poderiam voltar a frequentar, pois a administração era digna de elogios. Porém, na realidade esses espaços recebiam muitas críticas e estavam em condições ruins. Há também outro exemplo, no qual a publicação elogiava a iluminação de rua quando, na verdade, naquele momento o tema era um problema.

Marcelo Cheche Galves, historiador e professor da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), que estuda o impacto da imprensa no debate político oitocentista, pontua que o surgimento dessas fake news de antigamente está baseado em algo positivo: a Constituição de 1824 aboliu a censura prévia no Brasil.

Ele ressalta que nessa época, se tornou comum no cenário da imprensa no século XIX a produção de jornais ou folhetos “para responder alguém”. Um tipo de imprensa opinativa. O pesquisador e escritor Paulo Rezzutti, autor de livros sobre a família imperial brasileira, já se deparou com diversas fake news em suas pesquisas em jornais da época. Ele relata que a imprensa nacional, durante o Primeiro e parte do Segundo Reinado, era formada basicamente por jornais que serviam a causas políticas ou politiqueiras.

Dessa forma, é inevitável fazer uma comparação em relação às fake news que são muito compartilhadas atualmente e, muitas vezes, têm interesses políticos. Contudo, as fake news dos dias atuais visam afetar muito mais a imagem de alguém, enquanto as “petas” do século XIX promoviam críticas e, muitas vezes, criavam questionamentos nos leitores.

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