Livro de estreia do escritor pernambucano Eury Donavio, ”Fiados na Esquina do Céu com o Inferno”, lançado em 2020 pela Editora Coqueiro, traz a saga do personagem Matador, que acredita estar condenado ao inferno, pois tem pesadelos recorrentes, que atribui ao diabo.
Numa bodega localizada entre o céu e o inferno, Matador faz um pacto com um adivinhador vindo do além: para se livrar dos pesadelos, ele precisa matar o demônio Fazedor de Seca. Assim, além de se salvar do inferno, ajudará o sertão, trazendo a tão aguardada chuva. Porém, ele tem apenas 48 horas – até o Dia de São José – para cumprir sua missão. Acontece que Matador tem o costume de anotar numa caderneta o nome de todo mundo que já lhe fez algum mal, ou seja, que lhe deve alguma coisa. E, no caminho para encontrar e matar o tinhoso, ele resolve cobrar (ou, quem sabe, perdoar) esses fiados.
Eury Donavio já declarou em entrevistas e lives que Fiados levou cerca de nove anos para ficar pronto. Valeu a pena ter paciência. Depois de todo esse tempo pesquisando, escrevendo e reescrevendo o texto, o cuidado do autor com cada palavra resultou numa narrativa criativa e envolvente. A linguagem utilizada por Eury é, sem dúvida, um dos grandes atrativos. O uso de neologismos e de expressões típicas do sertão pernambucano ajuda a construir o clima da trama, transportando o leitor para o universo dos personagens.
”O Índio disse que eu me livraria do pesadelo se perdoasse os fiados. Ele sabe das coisas. Mas, pra mim, perdoar meus devedores era ainda pior que o sonho maldito, então ele me ensinou outro jeito mais dificultoso de resolver, e todo começo de março ele me ajuda a armar emboscada pro Atentador. Quando eu pegar o maldito, se acaba essa peleja com o pesadelo e meu sono vai ficar sossegado de novo.”
Segundo Eury, o cinema é sua grande inspiração. Isso fica muito claro ao ler Fiados. É daqueles livros em que a gente mergulha na história, consegue visualizar os cenários e quase sentir os odores e o gosto das cachaças (assim, no plural, porque são muitas ao longo do livro). Não à toa, a narrativa já está sendo adaptada para o audiovisual: Eury foi um dos 15 selecionados pelo concurso Novos Roteiros e está transpondo a saga de Matador para o roteiro de uma série.
O personagem principal é bem construído, cheio de contradições, feito qualquer ser humano. Como o apelido diz, ele é um Matador, tem pavio curto, sim, mas está em busca de paciência. Aponta rapidamente a arma para quem diz algo que lhe desagrade, mas lembra da mãe com saudade e carinho. Além disso, está em busca da solução para a seca, que tanto faz sofrer seu povo.
Fiados na esquina do céu com o inferno já nasceu premiado. Ainda antes de ser lançado, ganhou o Prêmio Literário Cidade de Manaus e uma Menção Honrosa no Concurso Internacional da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro. Um reconhecimento merecido. Terminei de ler o livro embriagada – não de cachaça, mas da prosa rica, bem-humorada e cheia de sotaque com que Eury nos presenteia. Se é verdade que a melhor forma de curar uma ressaca é continuar bebendo, então nós, leitores, precisamos beber mais dessa fonte. Precisamos ler mais livros escritos por Eury Donavio.