O Estatuto das Cidades, de 2001, reuniu legislações anteriormente existentes a novas propostas, longamente defendidas por arquitetos e urbanistas. Entre elas estão a outorga onerosa e as operações consorciadas. A primeira se refere à possibilidade de a municipalidade estabelecer um índice mínimo de aproveitamento do terreno, ou seja, quantas vezes a medida da sua área pode servir de parâmetro para o direito líquido e certo de se edificar. Assim o índice 1 permitiria ao proprietário edificar o correspondente a uma vez a área do terreno. Tudo o que passasse desse índice seria mediante pagamento à municipalidade. Já a operação consorciada permite estabelecer por lei um perímetro onde essa outorga onerosa se dará e a exigência de que os recursos auferidos serão investidos na área definida pela operação.
O Porto Maravilha é uma operação consorciada. Diferentemente do que ocorreu na urbanização da Barra da Tijuca, quando o poder público arcou com os investimentos em infraestrutura, e o capital imobiliário capturou os ganhos com a enorme valorização dos terrenos, o projeto buscou, acertadamente, recuperar os investimentos públicos. Através do leilão das Cepacs, os Certificados de Potencial Construtivo, ou seja, o potencial de construção acima do índice 1, a Prefeitura intencionou levantar recursos para pagar os investimentos, como a demolição da Perimetral, a construção do Túnel Marcelo Alencar, as novas galerias de águas pluviais, etc.
Essas obras, por terem sido extremamente custosas, obrigaram a emissão de um volume alto de Cepacs, obtido com a elevação dos gabaritos da área, que variam de 30 a 50 pavimentos. Na falta de compradores no momento do seu lançamento, a Prefeitura foi socorrida pela Caixa Econômica Federal que, de uma vez, arrematou a totalidade dos certificados disponíveis.
O tempo mostrou que esse não foi um bom negócio para a Caixa. A sua entrada no negócio teve, obviamente, uma interferência política. Na sequência advieram a crise econômica do governo Dilma, a do governo Bolsonaro e a pandemia. Sem liquidez, a Caixa deixou de fazer repasses ao consórcio de empresas privadas responsável pelos investimentos e pela manutenção da área do projeto, o que levou a Prefeitura a reassumir ali os serviços públicos.
A situação atual é de aguda crise econômica, sem perspectivas de saída a curto prazo, baixos investimentos da construção civil, uma Área Portuária que ainda não conseguiu entregar as suas maravilhas e um grande volume de certificados parados, em posse da Caixa Econômica. É necessário pensar saídas.
A relação entre o volume de Cepacs e o estoque de terrenos para sua aplicação se encontra estática. Se o valor delas fosse reduzido, a Caixa arcaria com o prejuízo, pela diferença de preço que pagou pelas mesmas. Mas e se o estoque de terrenos fosse ampliado? Talvez houvesse um aumento da demanda pelos certificados, facilitando a sua saída. Isso poderia se dar com a incorporação de bairros vizinhos à Área Portuária à Operação Consorciada do Porto Maravilha. O Caju e São Cristóvão, com enormes possibilidades de edificação, seriam bons candidatos a integrarem a Operação.
Como a Operação do Porto Maravilha é fruto de uma lei, a ampliação da sua base territorial teria que se dar por nova lei a ser votada na Câmara de Vereadores. Seria também uma oportunidade para se corrigir dois graves problemas do projeto: a ausência de um Estudo de Massa, que defina que imagem urbana se deseja alcançar, e a reserva de terrenos para a habitação, especialmente a habitação social, a grande ausente do projeto.
A paralisação do projeto Porto Maravilha não é boa para a cidade, nem para a construção civil. Decisões que rompam a atual inércia precisam ser tomadas. É hora de se buscar propostas e soluções.