Roberto Anderson: Morar no Rio de Janeiro

Coluna de Roberto Anderson sobre a diversidade geográfica do Rio de Janeiro e a escolha por onde morar na cidade

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Foto: Reprodução

Morar na Cidade do Rio de Janeiro pode assumir distintas formas, nem sempre de livre escolha do morador. Aglomerado em Copacabana ou rodeado pela natureza em bairros próximos a florestas e matas. Com vistas de cartão postal ou em apartamentos de fundos, junto a empenas, sem qualquer vestígio de paisagem da Cidade Maravilhosa. Com a possibilidade de colocar cadeiras nas calçadas e deixar as crianças nas ruas em certos bairros do subúrbio, ou em casas e barracos apertados nas favelas, às vezes com o esgoto na porta. A liberdade das crianças no espaço fora das casas sempre foi também uma característica das favelas, mas isso vem sendo ameaçado pela violência do tráfico e das incursões policiais.

De qualquer forma, esse modo de morar na cidade variou muito ao longo do tempo, com ciclos de adensamento e outros de valorização da baixa densidade. No Rio de Janeiro dos séculos XVII e XVIII morava-se numa área urbana densamente ocupada, contida, como se sabe, entre os quatro morros míticos, um deles e a metade de outro já não existentes. Nesse perímetro as ruas e os lotes eram estreitos e havia grande proximidade entre as residências. Mas havia os engenhos afastados, de vida rural, com grandes espaços, onde a maior parte dos habitantes eram africanos escravizados, dormindo em senzalas apertadas.

Após a chegada da Família Real, no início do século XIX, a cidade passou por uma fantástica expansão de seus limites, para além do seu núcleo histórico. Pouco a pouco, duas direções de crescimento, Norte e Sul, se formaram, levando a cidade a se tornar espraiada. Após meados do século XIX, estabeleceu-se uma tradição de residências da população de alta renda em chácaras urbanas, afastadas do Centro, pouco dependentes desse último. São desse tempo as grandes propriedades do vale de Laranjeiras e Cosme Velho, da Gávea e do Jardim Botânico na direção Sul. E da Tijuca, Andaraí e Alto da Boa Vista, na direção Norte.

Essas propriedades eram urbanas, estavam servidas por sistemas de transportes, como o bonde, por abastecimento de água, e depois de luz. Mas o que se valorizava era um certo grau de isolamento da moradia, e a presença de pomares e hortas. O Centro e a Área Portuária permaneciam como áreas de moradia adensadas, focos irradiadores das epidemias que assolavam a cidade. 

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No entanto, o processo de expansão horizontal da cidade estancou-se, pelo menos, na direção Sul. Durante várias décadas absteve-se de avançar para São Conrado e Barra. Gávea e as novas ocupações de Ipanema e Leblon passaram a ser os limites ao Sul, enquanto ao Norte a cidade se estendia em direção à Baixada Fluminense. Ocorreu então, durante a maior parte do século XX, o parcelamento das antigas chácaras e uma tendência ao preenchimento dos vazios existentes entre elas e o Centro, com o adensamento de bairros como Glória, Catete, Botafogo e Tijuca. Essas áreas, antes aristocráticas e distantes tornaram-se mais centrais pela chegada de mais moradias, serviços e meios de transportes.

A verticalização de Copacabana, no século XX, e posteriormente de Ipanema, geraram um novo modo de morar, superadensado, mas com multiplicidade de serviços, vida noturna, boemia, e uma certa variedade de classes sociais. O bairro continha os espaçosos apartamentos da orla e as quitinetes de ruas menos renomadas, para onde a classe média se mudava, desde que estivesse em Copacabana. O chic era estar envolvido por muita gente e muitos prédios. Mas essa contenção das classes mais altas em bairros de características tão urbanas e adensados iria se romper com a ocupação da Barra da Tijuca a partir da década de 1970. Mais uma vez o desejo por espaços, privacidade, áreas livres e uma vida mais provinciana, propiciada pelos condomínios, se tornaria o seu sonho.

Morar na Barra da Tijuca é diferente do morar em qualquer outro bairro da cidade. Não só por que provavelmente esse morador estará num condomínio, já que o modelo se espalhou por outros bairros da cidade. Mas é também por morar cercado de pessoas da sua classe social, por desfrutar de largos espaços, por depender do automóvel, e para aqueles que moram em prédios, ter uma vista livre, permeada de acidentes naturais, que a maioria dos moradores do Rio de Janeiro já não têm. Para boa parte dos moradores de outros bairros, causa certa estranheza esse jeito de morar. Mas, talvez, ele seja apenas a retomada de alguns aspectos de modos mais antigos de moradia que nossa cidade já conheceu.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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2 COMENTÁRIOS

  1. Conheço muita gente que mora na Barra, em bons condomínios, mas come maaaal! Café da manhã é café preto com creme cracker e olha lá! Só para falar que mora na Barra. Está aí, um Bairro que não me atrai! Tudo de difícil acesso. Não vejo a menor graça!

  2. Excelente artigo e ótimas observações, reiterando o que disse: retomada de alguns aspectos de modos mais antigos de moradia que nossa cidade já conheceu. Com Planejamento e Gestão pode ficar ainda melhor. Sucesso pra todos nós que amamos esta cidade, este estado, e torcemos para que o melhor dele floresça.

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