O Rio tem ícones da sua história boêmia. Bares e restaurantes que marcaram época.
Um deles é a cantina La Fiorentina.
A La Fiorentina era uma espécie de redação etílica para diversos jornalistas nos anos 50, 60 e 70. As notícias saltavam das mesas do restaurante para os caderninhos de anotações de colunistas sociais como Zózimo Barroso do Amaral, Jacinto de Thormes, Ibrahim Sued e Tetê Naraz, que assinava uma coluna chamada “Veneno” na revista Amiga e no jornal O Globo.
Do fim dos anos 50 a meados dos anos 70, o restaurante viveu seus anos dourados: foi cenário de romances, escândalos, glamour e muitas loucuras.
Instalada no final da Av. Atlântica, no Leme, desde 1957, a casa durante décadas foi ponto de encontro etílico-gastronômico de artistas, jornalistas, intelectuais e boêmios de todas as tribos.
O Leme atravessou décadas como um bairro eminentemente residencial. Entre os anos 40 e 50, ali se estabeleceu aquele que talvez tenha sido o seu morador mais ilustre, o compositor e radialista Ary Barroso, que ao morrer virou nome de ladeira no bairro e estátua entre as mesas da calçada em frente à La Fiorentina.
Outra ilustre personalidade do bairro era, então, a escritora Clarice Lispector. Nelson Cavaquinho foi outro que, durante anos, frequentou a cantina La Fiorentina, onde tocava seu violão nas noites do bar.
Clientes mais famosos são convidados a deixar suas assinaturas por lá, nas paredes e colunas do salão da casa.
Outra presença constante na cantina era a da comediante Dercy Gonçalves. No livro “As Noites da Fiorentina”, de Fritz Utzeri, a dama do teatro Bibi Ferreira relata: “Certa vez cheguei no restaurante e lhe perguntei: ‘Dercy? Você sozinha numa segunda-feira à noite? Veio jantar?’ E ela: ‘Não, jantar eu janto em casa. Aqui venho procurar namorado’’.
Outro que não perdia uma noite era o ator Agildo Ribeiro “Ir à Fiorentina era um vício. Quando eu não ia, parecia que tinha perdido uma noite de vida. Quando estava duro, dividia um omelete com o ator Edson Silva”, conta.
Personalidades como Bibi Ferreira, Darlene Glória, Ilka Soares, Norma Bengell, Agildo Ribeiro, Jorge Dória, Tônia Carrero, Carlos Manga, Monique Lafond, Anselmo Duarte, Juca Chaves, Daniel Filho, Vera Gimenez, Dick Farney, Maysa, Elvira Pagã, Jaguar, Tarso de Castro, Leila Diniz, Ziraldo, Sérgio Cabral (o pai), Jorginho Guinle, Miele e Jece Valadão, entre outros, eram fregueses assíduos.
Na La Fiorentina, os travestis também tinham vez. Mas, só as estrelas. Rogéria era uma delas. Na época, ela maquiava a atriz Zélia Hoffman, casada com Sylvio Hoffman, que fundou a casa em 1957. Outra travesti famosíssima e habitué da casa era a cantora e atriz Valéria que fazia o espetáculo Misto Quente com o comediante Agildo Ribeiro.
Diversas estrelas internacionais passaram por lá e deixaram suas assinaturas nas famosas colunas: Rock Hudson, Kim Novak, Marisa Berenson, Margaux Hemingway, Rudolf Nureyev, Claudia Cardinale e até mesmo Jean-Paul Belmondo, no início da década de 60.
Em 2000, o empresário Omar Catito Peres, enteado de Sylvio Hoffman, comprou o ponto em que funcionava a La Fiorentina e que, após um incêndio, estava desativado havia quase dez anos. Feita a restauração, descobriram muitos autógrafos nas paredes descascadas e isso foi integrado à decoração, que ainda existe até hoje.
O La Fiorentina acompanha as gerações e coleciona memórias e a história da cultura brasileira em sua decoração, em especial, nas suas famosas colunas autografadas.
Hoje, os tempos são outros, a casa reabriu com menos badalação mas ainda cultiva sua clientela estelar. O diretor Andrucha Waddington, Letícia Spiller, Laura Cardoso, Ellen de Lima, Eduardo Dussek, entre outros.
Estive lá, em novembro passado, no lançamento do livro “Salve-se Quem Puder!”, do amigo Duayer. Aproveitei para deixar minha assinatura nas famosas colunas.
Estavam presentes, além do Duayer, Catito Perez, Carlos Eduardo Novaes, Glória Perez, Alviño, Agner, Chico Caruso, Graúna, Hélio Costa, Ucha e o casseta Reinaldo.
O Rio continua uma festa. Como escrito na frase que Zózimo colocou na redação, e que acabou no título de sua biografia: “Enquanto houver champanhe, há esperança.”
Ou chopp.