Para quem não sabe – com certeza, poucos – o consagrado cronista, escritor, roteirista, tradutor e, quando tem tempo, saxofonista, Luis Fernando Veríssimo – que já desenhava antes de escrever – é também um genial cartunista.
A modéstia, no entanto o impede de admitir: “Tenho um problema curioso para um desenhista. Não sei desenhar. Isto não me impede de insistir com o desenho, apesar dos conselhos de amigos, das indiretas da família e de telefonemas ameaçadores. Insisto, em primeiro lugar, por conveniência. Não digo que uma imagem valha mil palavras, mas umas 500 – o necessário para encher uma coluna de jornal – vale. Qualquer cronista diário daria a sua mão direita para poder desenhar em vez de escrever, de vez em quando, se fosse canhoto” – diz.
Mas, quem conhece seu trabalho gráfico, sabe que ele é um grande desenhista. Em seu primeiro livro, “O Popular” (Editora José Olympio), de 1974, as crônicas são ilustradas com cartuns e quadrinhos magistrais.
Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936.
Entre 1962 e 1966, viveu no Rio de Janeiro, onde trabalhou como tradutor e redator publicitário, e onde conheceu e casou-se com a carioca Lúcia Helena Massa, sua companheira até hoje e mãe de seus três filhos.
Na volta para Porto Alegre, trabalhou nos jornais “Zero Hora”, “Jornal da Manhã”, “Estado de São Paulo”, “Jornal do Brasil”, “O Globo”, “O Pasquim” e nas revistas “Playboy” e “Veja”, além de escrever para programas de humor da TV Globo.
As Cobras, seus personagens mais famosos nasceram no jornal “Folha da Manhã”, de Porto Alegre, em 1975, em plena ditadura militar.
Embora Verissimo achasse que as primeiras cobras eram horrorosas e muito mal ajambradas, elas viraram xodó dos leitores assim que apareceram nas páginas de tirinhas do “Folha da Manhã”.
“A ideia era fazer um desenho rápido, que não desse muito trabalho e substituísse o texto da minha coluna, nas edições de sábado” – explica o autor.
No início, era um par de ofídios – sem nome – que com ironia e irreverência envenenavam o autoritarismo e a censura externando nossas inquietações.
Com o sucesso da tira, o autor foi somando outros bichos a galeria de personagens. Surgiram, então, personagens antológicos como “Dudu, o Alarmista”, uma cobra de expressão assustada e neurótica que sempre passa correndo; “Queromeu, o Corrupião Corrupto”, que é a imagem dos nossos políticos; “Sulamita”, a pulga lasciva; O sapo “Felipe” que busca alguém para transformá-lo em príncipe novamente; e as lesmas “Flecha” e “Shirley”, que sempre tem respostas para tudo.
Além desses, tem ainda o velho mestre “Bubi”; “Tia Jibóia”, “Mark Eting”, “Zé do Cinto” “Alves Cruz”, “Gerson” e outros.
Os personagens discutiam, futebol, política, economia, filosofia, questões sobre o universo e – pasmem – Deus, a quem elas pedem um sinal de sua existência, de vez em quando.
Apesar da Ditadura Militar, As Cobras, durante quase trinta anos, conseguiram serpentear livre por vários jornais do país, entre tesouras e teorias conspiratórias.
Na época, os desenhos tinham melhor sorte do que os textos. O humor gráfico tem uma conotação lúdica, infantil – e parecia, talvez, menos ameaçador do que o seu irmão escrito.
Ou, como observa Veríssimo, também é possível que os censores entendessem ainda menos os desenhos do que os textos.
As cobras sobreviveram à ditadura, mas não aos 60 anos de Luis Fernando Verissimo.
Em 1997, ao completar 60 anos, o escritor concluiu que “não ficava bem um sexagenário desenhando cobrinhas” e as aposentou.