O clássico “jeitinho brasileiro”, o empurrãozinho, o dito “migué”. Isso é o que está sendo feito pelo governo para driblar o teto de gastos, em pleno ano eleitoral, para, em tese, segundo o próprio governo, colocar comida na mesa dos mais vulneráveis e ainda equalizar as dívidas da união. Estamos falando da PEC dos Precatórios (Proposta de Emenda à Constituição 23/2021), para abrir mais R$ 83,6 bilhões no orçamento de 2022 com seus dispositivos. Sabemos que na prática os objetivos são outros.
Esta PEC propõe dar um calote naqueles que aguardam há anos para receber seus direitos garantidos e reconhecidos pela Justiça. Com essa manobra, o governo abre espaço no orçamento para pagar um novo programa de renda, o chamado Auxílio Brasil, que vai substituir o Bolsa Família e de quebra agradar seus pares no Congresso Nacional, aumentando o Fundão Eleitoral e distribuindo emendas parlamentares.
Nos dispositivos principais da proposta, há o limite dos gastos em 2022 com pagamento de dívidas da União reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de novos recursos, além do parcelamento do restante em 9 anos. É o calote do calote, pois são dívidas garantidas e reconhecidas pela Justiça, com credores que aguardam há anos para receberem seus direitos e que deliberadamente terão estes recebimentos mais uma vez postergados. Segundo dados da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, a dívida judicial da União pode chegar a R$ 5 trilhões em 20 anos. Essa conta terá que ser paga um dia e por todos os brasileiros. A outra medida é manobra para aumentar o teto de gastos, alterando seu cálculo. Na prática, é uma autorização para o “estouro” do teto e, dessa forma, eximir o governo de qualquer irregularidade, já que estaria respaldado pelo Congresso Nacional.
O teto de gastos é um mecanismo importante, criado pela Emenda Constitucional 95, em 2016, para manter as contas públicas sob controle e restringir o endividamento público. Esta medida tem vigência de 20 anos e o desrespeito à norma pode provocar vários efeitos nefastos, como aumento da inflação, juros mais altos, desvalorização de nossa moeda frente ao dólar e redução da capacidade de crescimento do país, do poder de compra da população e da geração de empregos. É um efeito perverso, pois impacta toda a população e, em especial, os mais necessitados, que geralmente possuem menor renda e poupança.
Se há necessidade de abrir espaço no orçamento, para qualquer que seja a política pública, deve-se substituir o aumento do endividamento público, a menor transparência com os gastos públicos e o menor controle sobre as despesas extras pela redução dos gastos. A prioridade deveria ser acabar com privilégios e benefícios em todas as áreas da máquina pública, realizar de fato as privatizações, que até agora não avançaram, acabar com a farra das emendas, como no orçamento paralelo, acabar com os fundos eleitoral e partidário e aprovar uma reforma administrativa ampla, que inclua todos os membros dos três poderes sem distinção.
Estamos passando por um momento muito ruim no país, com a alta dos preços e o desemprego, muitas pessoas passando fome e com dificuldades para pagar suas contas. É possível encontrar uma solução para amparar essa população de forma correta e responsável, com planejamento, para quem realmente precisa. Mas não é esse o interesse do governo, ainda mais em ano eleitoral. O que está sendo proposto é de fato uma manobra paliativa, longe de cumprir com seu objetivo principal, voltada muito mais para conseguir apoio para a próxima eleição.
A PEC 23 já está tramitando na Câmara dos Deputados e pode ser colocada em votação em plenário nesta semana. Seus efeitos são uma ameaça à economia e ao futuro do país e um desrespeito ao cidadão que aguarda há anos para receber o que é seu de direito.
Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.