Segundo Jaguar, Otávio Ribeiro, um dos grandes jornalistas investigativo brasileiro, era um Guimarães Rosa urbano.
Para mim, Tim Lopes, outro grande da crônica policial, era o Nelson Rodrigues. Sua vida e morte dariam uma peça do dramaturgo carioca.
Pouco resta dos tempos áureos do jornalismo. Do jornalismo policial – da época em que cobrir esse tema muitas vezes representava risco de morte – então, nem se fala.
Otávio Ribeiro, o “Pena Branca”, do jornal “O Globo” ; Albeniza Garcia e Tim Lopes, de “O Dia”, foram os últimos repórteres remanescentes dessa geração.
Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, conhecido na crônica policial como Tim Lopes, nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 18 de novembro de 1950. Era o quarto filho de uma família de doze.
Quando tinha 8 anos, seus pais se mudaram com a família para o Rio de Janeiro, onde foram viver em circunstâncias humildes na favela da Mangueira, numa casa de três cômodos.
Foi um dos jornalistas mais admirados e respeitados da crônica policial, nos anos 80. Era considerado pelos colegas de profissão como um dos mais corajosos e audaciosos repórteres investigativo em atividade.
Começou no jornalismo na década de 70 na revista “Domingo Ilustrada”, no “Última Hora”, do icônico Samuel Wainer, como contínuo.
Na época, dividia uma pequena casa em Santa Tereza com o jornalista Eduardo Mamcasz, companheiro de “O Globo”.
Cursou jornalismo da Faculdade Hélio Alonso (FACHA), no Rio de Janeiro.
Já como Tim Lopes – apelido dado pelo próprio Samuel Wainer, devido à semelhança do jornalista com o cantor Tim Maia – passou a fazer reportagens de rua.
Trabalhou também na sucursal do Rio de Janeiro da “Folha de São Paulo”, nos jornais “O Dia”, “Jornal do Brasil” e “O Globo” e na revista “Placar”. Ainda na década de 1970, escreveu reportagens para o jornal alternativo “O Repórter”. Em uma delas, relatava as condições precárias dos operários que trabalhavam na construção do Metrô do Rio.
Para produzi-la, em 1978, Tim Lopes trabalhou disfarçado como “peão” na própria obra, iniciando assim uma vitoriosa carreira de repórter investigativo.
Destemido, ficou conhecido por se infiltrar nas favelas cariocas a cata de notícias, em que precisava se disfarçar para conseguir realizar as reportagens.
Como uma série de reportagens que escreveu para o jornal “O Dia”, em 1994, intitulada, “Funk: Som, Alegria e Terror” em que ele descrevia os bailes dirigidos por traficantes nas comunidades cariocas.
Em 1988, Tim disfarçou-se de mendigo para relatar a vida de meninos de rua no Rio de Janeiro, para o Jornal do Brasil.
Em 1991, virou sem teto e operário da Linha vermelha em reportagens para o jornal “O Dia”.
Também disfarçado, fez uma série de reportagens intituladas “Feirão das Drogas”, em que ele, com uma câmera escondida, mostrava os traficantes vendendo drogas no meio da rua, em plena luz do dia.
Em 1995, Tim se disfarçou de vendedor ambulante nos sinais e, com uma câmera escondida dentro de um cooler, denunciava os riscos que os motoristas correm ao serem abordados por assaltantes nos sinais.
Internou-se por dois meses em uma clínica para dependentes químicos para realizar uma reportagem sobre o consumo de drogas.
Anos depois, Tim produziu uma peça sobre o samba da Mangueira e um de seus fundadores, o sambista carioca Carlos Cachaça.
Cachaça viu a história e comentou com o amigo, Monarco, da Velha Guarda da Portela, que a reportagem de Lopes era “o melhor material que ele já havia lido” sobre o samba da Mangueira.
Embora fosse gaúcho, Tim Lopes tinha o estereótipo do malandro carioca: torcedor do Vasco da Gama, vivia sempre sorrindo, cheio de gírias e era profundo conhecedor do asfalto e dos morros cariocas.
Com seu carisma, bom humor e competência, fazia amigos por onde passava. Tim circulava com desenvoltura nos morros da cidade e nos botecos de Ipanema, onde morou por vários anos.
Transitava bem tanto no meio policial como entre os vagabundos e sambistas dos morros do Rio.
Chegou a ser jurado no carnaval carioca, na Marquês de Sapucaí. Em São Paulo, foi homenageado no carnaval pela escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi, em 2003, com o tema “Não feche a minha voz”, uma homenagem a imprensa livre, com um samba enredo com versos como: “A verdade Tim-Tim por Tim-Tim, em referência ao seu nome.
O jornalista foi um dos fundadores do bloco carnavalesco, “Simpatia é quase amor”, de Ipanema, onde conheceu Albino Pinheiro e o cartunista Jaguar.
Ganhou vários prêmios jornalísticos: Em 2001, Tim foi um dos ganhadores do Prêmio Esso de jornalismo – o “Pulitzer” brasileiro – com uma série de reportagens sobre o “Feirão das Drogas”.
Foi vencedor do “Prêmio Abril de Jornalismo” em 1985 e 1986, respectivamente, por reportagens sobre futebol na revista “Placar”.
Em 2 de julho de 2002, durante uma reportagem sobre o baile funk, que fazia na favela da Vila Cruzeiro, Tim Lopes foi reconhecido por traficantes.
Sequestrado, foi colocado na mala de um carro e levado para o topo do morro onde, amarrado numa árvore, foi torturado, esquartejado e queimado vivo.
Em 5 de julho, eu estava na Vila Cruzeiro com o radialista Ivo Moreno, quando encontraram o corpo de Tim Lopes, na Pedra do Sapo, na parte alta do Complexo de favelas. O morro ficou em polvorosa, polícia, ambulância, bombeiros e muita gente querendo ver o restos mortais do jornalista.
No dia seguinte todos os jornais do país noticiavam: “Morreu o jornalista Tim Lopes”
Tim era casado com a estilista Alessandra Wagner, com quem teve um filho, Diogo. Tinha, também, outro filho chamado Bruno, nascido do seu primeiro casamento.
Tim Lopes foi premiado, postumamente, com o maior prêmio de direitos humanos do Brasil, o “Prêmio Direitos Humanos”, que homenageia os que arriscam suas vidas em defesa dos direitos humanos, em 2012.
Em outras homenagens póstumas, uma rua, no subúrbio da zona oeste, na Barra da Tijuca, foi batizada de Avenida Tim Lopes; e uma escola, construída no Complexo do Alemão, onde o jornalista foi morto, recebeu o nome de Colégio Tim Lopes.
Num artigo, logo após a sua morte, o editor do “O Globo” e amigo César Seabra, escreveu sobre Tim Lopes: “Tim Lopes era completo. Tinha um tremendo orgulho de ser pobre e negro. Ele era cuidadoso, íntegro, dedicado, competente, humilde, humano, justo. Se orgulhava de lutar contra os preconceitos e ajudar os pobres”.
Viveu e morreu como um herói.