Um dos prazeres que tenho é o de ir ao teatro. Esse hábito foi adquirido na infância e foi mantido até a pandemia fechar as casas de espetáculos. Esses locais ficaram inacessíveis por um ano e seis meses. Alguns abriram antes, outros mantêm as cortinas cerradas. As apresentações musicais e as entrevistas migraram logo para o formato das lives. O teatro levou mais tempo até render-se às sessões remotas.
Cheguei a assistir a algumas delas. Alguns resultados foram atraentes; outros, entediantes. Em todos os casos, faltava algo: o encontro entre público e atores. Os artistas estão no palco, o público, na plateia e, juntos, ocupam a sala de espetáculos. E a relação que se estabelece entre eles é única. Guardo na memória espetáculos que resultaram em experiências memoráveis.
Assisti recentemente a “Ninguém dirá que é tarde demais”, no Teatro Riachuelo. A prefeitura havia liberado, poucos dias antes, a ocupação máxima dos teatros. Como teria de cumprir protocolos de segurança, cheguei cedo. Tive de apresentar o comprovante de vacinação, como esperado, e a identidade, o que achei coerente. Vai que o comprovante não era meu?
Havia na plateia distanciamento – o que me fez respirar, apesar da máscara, aliviado. Em cena, sob a direção de Amir Haddad, quatro atores: Arlete Salles, Edwin Luisi, Alexandre Barbalho e Pedro Medina — também ele o autor do texto. Na trama, a pandemia leva um aposentado (Edwin) a voltar a viver com o filho (Barbalho) enquanto uma avó (Arlete) acolhe o neto (Medina), vindo do exterior. As famílias são vizinhas e a convivência não será fácil.
Arlete e Edwin poderiam, pela tarimba que têm, fazer mais do mesmo, mas não. Eles preservam a capacidade de nos surpreender. É prazeroso ver como trabalham as intenções, a escuta do outro e as pausas. Os dois mostram, mais uma vez, os grandes artistas que são.
Alexandre Barbalho tem no palco seu habitat. Sua sintonia com Edwin é perfeita e ambos emocionam. Sintonia é o que se estabelece também entre Arlete e Medina, neto da atriz na vida real. A cena em que ele lê a carta entregue por ela quando deixa a casa da avó é de marejar os olhos – os meus pelo menos.
E Pedro Medina mostra-se um autor cuidadoso. O texto traz cenas bem elaboradas e muito bem costuradas umas às outras, culminando num desfecho ansiado pelo público e que foge do óbvio. A peça tem tudo, inclusive, para chegar à telona, a exemplo do que ocorreu com “A partilha” (cujo primeiro elenco contou com Arlete, aliás), de Miguel Falabella, e “Divã”, adaptação teatral do livro de Martha Medeiros.
O teatro é um casamento aberto a muitas participações: do autor, do elenco, do diretor e da equipe (iluminador, figurinista, produtores, entre outros). Quando cada um desempenha bem seu papel, o teatro resulta numa experiência inesquecível – para artistas e plateia.
“Ninguém dirá que é tarde demais” vai ficar na minha memória por ter sido a primeira peça a que assisti após os teatros serem reabertos nesta pandemia que ainda não terminou. Vou lembrar dela também por ter tido a oportunidade de ver o teatro sendo feito com entrega, verdade, prazer e apuro. E a junção disso tudo faz dele algo único.