A paisagem circundante pode ser de mar ou de montanha, agreste ou verdejante, mas uma coisa pouco muda: ao se entrar na cidade local, a mesma falta de graça. Calçadas estreitas, quando existentes. Falta de arborização, asfalto esburacado e prédios de dois ou três pavimentos agressivamente debruçados sobre as ruas.
Caixotes de matéria dura, lajes empilhadas sobre paredes, nem sempre emboçadas. Se emboçadas, nem sempre pintadas. Aberturas mínimas, janelas basculantes ou de esquadrias de madeira pré-fabricadas, arrematadas em cima por arcos mal traçados, na lógica simplificadora das construções nesse Brasil afora.
A tecnologia do concreto armado democratizou o conhecimento da construção civil. Nas comunidades, familiares se reúnem para bater uma laje, colaboração que barateia os custos. Só não o fazem com mais frequência pelo preço dos materiais. Quem pode, logo substitui o barraco de madeira por casas mais firmes, em alvenaria. Mas a necessidade nem sempre dá espaço para a beleza. A utilidade se sobrepõe à formosura.
Mas não se está aqui a falar das favelas, e sim das cidades como um todo, que grandes, pequenas ou médias, parecem ser levantadas por quem perdeu a sabedoria de como bem edificar. Cidades coloniais, como Paraty e Ouro Preto, amadureceram durante séculos. E se beneficiaram do conhecimento sedimentado ainda no Reino de Portugal. Seguiram o modelo, com improvisações e adaptações aos materiais disponíveis por aqui. E o que dizer da sensibilidade que se vê nas casinhas de frontões recortados e de fachadas coloridas de algumas cidades do Nordeste? Essa beleza não tem mais espaço na cidade utilitária. O que se vê é a arquitetura das carências e dos objetivos imediatos.
As administrações locais talvez não saibam, ou não queiram, definir parâmetros que auxiliem na construção de espaços urbanos mais agradáveis. Casas, que anteriormente tinham árvores nos quintais, são substituídas por edificações que ocupam 100% dos terrenos. Recuos em relação às calçadas são ignorados e paredes sem qualquer abertura podem estar voltadas para as calçadas. Sem as árvores dos quintais e sem árvores plantadas nos passeios, as ruas se tornam espaços áridos, difíceis de serem percorridas em dias de sol forte.
Os maus tratos com as cidades não são privilégios de quem faz edificações de pequeno porte. Projetos de edifícios altos, de grandes cidades, também se esmeram na tarefa de enfear o espaço urbano. Empenas cegas, alturas dissonantes da paisagem circundante, aparelhos de ar-condicionado e equipamentos de todo tipo nas janelas e marquises, e placas gigantes com os nomes das lojas e suas ofertas agridem o olhar do passante. A última novidade nesse quesito são as chapas reluzentes, em cores berrantes, que passaram a envolver as fachadas das lojas em ruas comerciais.
Pelo Decreto nº 38.314/2014, passou a ser obrigatória a colocação dos nomes dos projetistas nas fachadas dos novos edifícios do Rio de Janeiro. Essa, que no passado já foi uma prática usual na cidade, é uma maneira interessante de tocar os brios profissionais de quem projeta nossas cidades. Seus nomes estarão associados ao que de bom e de mau fizerem. Medidas assim talvez representem um possível incentivo a melhores projetos em cidades grandes e médias. Mas, e em cidades menores?
É preciso falar mais de arquitetura e de urbanismo, e escrever mais sobre o assunto. Exercer a crítica e a difusão de boas práticas e de bons projetos, assim como se faz em outras áreas, como o cinema, o teatro e as artes plásticas. Falar com carinho de ruas agradáveis e de projetos de arquitetura que emocionem. Levar a discussão sobre as cidades, suas histórias e o conhecimento das ruas às escolas. Mobilizar os vizinhos contra projetos que desfigurem os bairros. Talvez, assim, se consiga alcançar uma produção mais frequente de boa arquitetura e de boas cidades.
Excelente texto, assino embaixo.
Nada pior que uma cidade feia.