Sonia: Fatiamento do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

A urbanista Sonia Rabello pede que Eduardo Paes vete o projeto que tem como objetivo o fatiamento do Jardim Botânico para moradias

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Foto: Diego Gonzaga/Divulgação

Está nas mãos do Prefeito Eduardo Paes, até 2ª feira, dia 13/12 a aquiescência (sanção expressa ou tácita), ou não, pelo veto, do Projeto de Lei 161-A, que tem como efeito o fatiamento, para fins de regularização fundiária de moradias, de parte do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Um dano e um prejuízo incomensuráveis ao patrimônio ambiental e cultural brasileiro, fluminense e carioca.

Difícil dizer em poucas palavras sobre a impossibilidade jurídica, ambiental, cultural e urbanística de efetivar o referido projeto de lei municipal. Somente se compreende a sua aprovação, pela Câmara Municipal, em ano pré-eleitoral, para satisfazer uma antiga promessa a uma base de eleitores. Compreensível também que se queira resolver, para um grupo de pessoas (não definidas, nem cadastradas), uma situação dita instável de suas moradias; mas, não a qualquer preço, sacrificando um bem coletivo, de toda a população carioca, fluminense, brasileira e mundial – que é o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Bem cultural tombado

Sim, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro é um bem cultural tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde 1938, em sua integralidade, e uma unidade de conservação permanente, indicado como sítio do Patrimônio Mundial, no dossiê encaminhado à UNESCO, e que gerou o título atribuído à Cidade do Rio.

Como bem tombado pelo IPHAN, repito, a sua integridade deve ser preservada e, por isso, ele não poderá, nem mesmo com a autorização do IPHAN, ser “mutilado” de uma parte de seu corpo. Diz o art.17 do Decreto-lei 25/37:

“As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, e nem, sem prévia autorização do (…)

Ora, a “regularização” pretendida pelo Projeto de Lei 161-A tem como objetivo exatamente o fatiamento (mutilação*) de parte do bem tombado para transformá-lo em cidade, obrigando a Prefeitura a colocar ali toda a infraestrutura urbana: esgotamento sanitário, água, lixo, iluminação pública, drenagem, alinhamento e execução de vias e logradouros para trânsito e circulação pública, bem como atribuição de índices construtivos e de uso, com comércio e equipamentos urbanos.  É o que diz o projeto de lei nos incisos I a IV do art.2º, combinado com o disposto na Lei 13.465/2017 (Lei Federal de regularização fundiária).

E mais. O que é hoje patrimônio público dos brasileiros (bem da União) seria transformado em imóveis, lotes privatizados, em nome dos 600 ou mais moradores não identificados, e cujo revenda, possivelmente a preços valorizadíssimos, é inescapável, após sua urbanização e titulação!

O debate e o TCU

Sonia: Fatiamento do Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Foto: Alexandre Machado

A tentativa de mutilação de parte do Jardim Botânico é antiga. O Projeto de Lei 161-A é o substitutivo ao Projeto de Lei 161, que tramita na Câmara dos Vereadores desde 2009; ou seja, há mais de uma década! Desde então, os interesses dos moradores a uma parte da área do Jardim Botânico vêm sendo objeto de debate, especialmente no âmbito federal, já que a área pertence à União e o tombamento, bem como a unidade de conservação, é federal. O Prefeito Paes, em 2011, já se manifestou contra, antes mesmo do Parque ser declarado sítio do Patrimônio Mundial.

O assunto, além de ser objeto de inúmeros processos de reintegração de posse já deferidos pelo Tribunal Regional Federal, foi também tema de processo junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).  Desde 2012, o TCU, pelo Acórdão 2.380/2012-TCU-Plenário, decidiu pela reintegração total da área ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro para recomposição do centenário Parque tombado. Esta decisão foi recentemente ratificada, em 2021, por outra decisão do Tribunal, publicada no DOU de 14 de junho de 2021, que diz:

Os Ministros do Tribunal de Contas da União ACORDAM, por unanimidade, com fundamento nos arts. 243, 250, inciso II, e 143, inciso V, do Regimento Interno/TCU e de acordo com os pareceres emitidos nos autos, em:

considerar em cumprimento as determinações contidas nos itens 9.3.5.1, 9.3.5.2 e 9.3.5.3 do Acórdão 2.380/2012-TCU-Plenário (na redação do Acórdão 2.949/2012-TCU – Plenário);

dar nova redação à determinação contida no item 9.5.3 do Acórdão 2.380/2012TCU-Plenário, para que passe a constar:

“9.5.3. determinar ao Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro que realize os estudos necessários tendentes a promover a desapropriação de todas as áreas eventualmente objeto de ação judicial com decisão favorável ao ocupante irregular, transitada em julgado, com o adequado pagamento de indenização aos ocupantes, para recomposição do parque, no âmbito da área delimitada como de interesse e essencial às atividades do Jardim Botânico;”

considerar prejudicado o pedido de dilação de prazo solicitado em 3/5/2019 pelo Departamento de Assuntos Extrajudiciais da AGU, considerando o prosseguimento dos trabalhos afetos às ações de reintegração de posse a cargo dos órgãos judiciais da AGU no estado do Rio de Janeiro até o encerramento do procedimento conciliatório junto a CCAF, ocorrido em dezembro de 2019;

não conhecer da solicitação do Deputado Federal Glauber Rocha Ofício, protocolizada mediante o Ofício 024/2018-GDFGB, de 13/6/2018 nos termos do art. 237, inciso III e Parágrafo Único c/c o Parágrafo Único do art. 235 do RI-TCU, dando-lhe ciência da deliberação;

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Foto Cleomir Tavares / Diario do Rio

referendar o sigilo das peças 65, 67 e 70, nos termos do art. 23, inciso VIII, da Lei 12.527/2011, até a finalização das ações de reintegração de posse no perímetro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, uma vez que tratam de matérias afetas ao planejamento de procedimentos judiciais e administrativos do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), com o fim de assegurar o andamento às reintegrações de posse;

autorizar a continuidade do monitoramento;

encaminhar cópia deste acórdão, acompanhada da instrução (peça 74), ao Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), à Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio de Janeiro (SPU/RJ), à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SCGPU), ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e ao Departamento de Assuntos Extrajudiciais da Advocacia Geral da União (DEAEX/CGU/AGU).”

Portanto, admitir a hipótese de “regularização” municipal de qualquer parte Jardim Botânico não só mutila o bem tombado federal, como desafia decisão já consolidada do Tribunal de Contas da União.

É realmente uma pena que o projeto de lei 160-A tenha sido aprovado pela Câmara, dando falsas esperanças de “regularização” aos atuais ocupantes de uma área federal, um par de meses após o assunto ter sido, mais uma vez, ratificado pelo Tribunal de Contas da União.

Todos sabemos que o assunto de acesso à moradia para população de baixa renda é o assunto urbanístico-social mais candente para o planejamento urbano Rio de Janeiro.  Ele precisa ser enfrentado com coragem e vigor. Mas, no caso do Jardim Botânico esta não é, definitivamente, a solução.  Acesso à moradia não é em qualquer lugar e a qualquer preço.  No Jardim Botânico do Rio de Janeiro o respeito aos direitos públicos ambientais e culturais, como direitos fundamentais, se impõe; existem, é claro, alternativas habitacionais para os moradores que realmente precisarem em inúmeros outros lugares da cidade, pois vários imóveis públicos são anualmente postos à venda, inclusive na área central do Porto do Rio.

Por tudo isso, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por sua qualificação como bem excepcional do patrimônio cultural e ambiental brasileiro, e mundial, é insusceptível de mutilação por qualquer pretensão de urbanização e privatização!

Veta, Prefeito!

*Mutilação: ato ou efeito de mutilar; amputação de alguma parte do corpo; ruína ou descaracterização de monumento, deterioração; supressão ou corte em obra literária. (dicionário Houaiss)

Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.

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3 COMENTÁRIOS

  1. A Vila do Major, na Rua Major Rubens Vaz, com entrada bem ao lado do 15a delegacia dz Gavea, cresce a olhos vistos por quem mora acima fo nível da rua. Estão construindo seus barracos e desmatando as áreas verdes . IBAMA e IPHAN ausentes. Ninguém quer saber de nada. Um morador da Vila disse q estavam lá há 80 anos . Será? A favelização do Rio de Janeiro continua a passos largos. Daqui pouco o JD Botânico não
    estará rodeado de favelas. Que tristeza. Político nenhum quer botar a mão lá e defender o q é dos cariocas! Tristeza não tem fim!!!!

  2. É… quem está por trás disso? Condenavam os moradores do Horto Florestal da ocupação irregular da área ambientalmente preservada e de um antigo sítio arqueológico, e que nenhum Prefeito se preocupou em realizar um ordenamento urbano para que futuramente o Horto virasse um bairro.

    Vejo isso como especulação imobiliária e que sempre foi do interesse da latifundiária da Empresa Globo em fazer o seu condomínio particular. O Prefeito Eduardo Pães fechadíssimo com o Governador Bolsonarista que por conseguinte pode haver o interesse da União em acabar de vez com o Jardim Botânico.

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