Há muito se discute sobre a necessidade da contenção do crescimento das cidades em direção às suas periferias, o chamado crescimento espraiado. Londres, ainda no início do século XX, definiu um cinturão verde em torno da cidade, impedindo a conurbação com cidades vizinhas. Mais recentemente, a partir do conceito de sustentabilidade, se trabalha com a proposta de cidades compactas que, antes de ocuparem áreas que poderiam ser florestadas ou utilizadas pela agricultura, concentram seu crescimento nas áreas mais centrais. Estas, em geral, já dispõem de infraestrutura, e têm muitos terrenos vagos. Dessa forma, além de se ter uma cidade mais respeitosa com o meio ambiente que a circunda, se evita que a especulação com terrenos disponíveis dentro da cidade se estenda indefinidamente.
No entanto, entre nós a realidade tem sido bem outra, com os próprios governos agindo em favor do crescimento espraiado. O projeto Minha Casa Minha Vida, por exemplo, ao priorizar terrenos baratos nas bordas das cidades, ou até mesmo em áreas fora dos tecidos urbanos, gerou urbanizações em áreas sem infraestrutura, sem acesso a empregos, transporte, educação e saneamento. Um verdadeiro crime contra as cidades e contra os cidadãos que pretendia beneficiar.
Aqui no Rio de Janeiro, apesar de reiterados discursos das autoridades municipais em contrário, a prática também tem sido a de reforçar o crescimento em direção à periferia. Atualmente, o projeto Reviver Centro busca agir na direção contrária. Mas na última década, em que pese os investimentos na Área Portuária, a construção civil continuou a investir prioritariamente na Zona Oeste, especialmente na Barra e no Recreio. O poder municipal, além de não limitar o número de licenciamentos naquela área, direcionou para lá investimentos importantes, como os equipamentos das Olimpíadas, sinalizando um incentivo ao processo já em curso. Além disso, a abertura do Túnel da Grota Funda tornou mais acessível a região de Guaratiba, sem que houvesse planos de proteção às áreas naturais lá existentes, ou aos sítios de produção agrícola.
Uma iniciativa do governo Garotinho, o Nova Sepetiba, ilustra a junção de projetos de habitação popular relegados à periferia com o desrespeito a legislações ambientais. Segundo o Plano Diretor então vigente, a área onde o projeto foi executado era uma macrozona de proteção ambiental, com restrições à ocupação. No entanto, para sua construção houve desmatamento, aterro de um canal e de uma área de brejo. E, estranhamente, o Estudo de Impacto Ambiental realizado à época foi favorável à obra!
Apesar de todos os questionamentos da sociedade civil, a CEHAB tocou o projeto e, um ano após a sua inauguração, ele já apresentava problemas, como rompimentos nas tubulações de esgoto, o qual acabava vazando para as ruas, e rachaduras nas casas. Como a região não dispunha de infraestrutura de saneamento, foi construída uma estação de tratamento de esgotos, a qual em pouco tempo já estava inativada por falta de manutenção. Como era de se esperar, o esgoto passou a seguir para a Baía de Sepetiba.
Inaugurado em 2000, a quase 90 km do centro da cidade, Nova Sepetiba recebeu ex-moradores de diversas comunidades, como Vila Kennedy, Favela da Lacraia, Nova Holanda, e Uga-uga de Bonsucesso, repetindo um esquema tradicional das políticas habitacionais de deslocar pessoas territorialmente, inserindo-as em locais onde não têm relações de amizades, nem vínculos de trabalho. É tanta a semelhança com políticas habitacionais anteriores, as quais já provaram não dar certo, que Nova Sepetiba foi cenário do filme Cidade de Deus. Era muito forte a semelhança com os primórdios daquele conjunto, inaugurado em 1966, ou seja, trinta e quatro anos antes.
Sepetiba é uma região de cotas baixas em relação ao nível do mar e com manguezais. Portanto, é um bairro que dificilmente seria adequado para uma intensa urbanização, especialmente as partes mais baixas. São recorrentes os episódios de alagamento na região a cada chuva mais forte que cai na cidade. Nesses momentos, os moradores costumam perder seus pertences conquistados a duras penas, já que a água invade suas casas. A construção de um conjunto habitacional naquela área, induzindo a mais ocupação, se mostrou uma irresponsabilidade, para atender unicamente interesses políticos. Por muito tempo foi comum ver o ex-governador divulgando esse projeto como uma grande realização.
À parte todos os problemas já apontados, o projeto Nova Sepetiba ainda reunia personagens e empresas que ainda dariam muito o que falar. O presidente da CEHAB, à época da construção, era o ex-deputado Eduardo Cunha, que terminou preso depois de inúmeras acusações de malfeitos com o dinheiro público. A construção de Nova Sepetiba foi realizada pela empresa Grande Piso Ltda., com sede no Paraná, acusada de ter sido favorecida pela CEHAB na licitação. E a Construtora Delta, implicada em diversos casos de corrupção da Lava Jato, também se fez presente.
Por fim, mais um problema vem se somar àqueles aqui já apontados: a previsão de elevação do nível do mar e a ocorrência mais frequente de eventos climáticos extremos, em função da crise climática. Com as perspectivas de mais insegurança ambiental para a área, em algum momento a municipalidade terá que considerar a opção de reassentamento dos moradores ou a realização de caras obras de adaptação a tal situação. Nova Sepetiba é apenas um exemplo de legados amargos deixados por administradores públicos que pensam mais nos dividendos imediatos do que nas consequências futuras. Consequências que terminam por pesar sobre toda a cidade.