Um dos times de futebol mais tradicionais do Rio de Janeiro e do Brasil, o America vive uma grave crise econômica. O cenário, contudo, não condiz com uma recente novidade: o clube venceu um processo na Justiça de R$ 44,4 milhões. O problema é que o dinheiro ainda não teria ido para onde deveria.
O America não paga seus funcionários desde setembro de 2021. Já seriam cinco meses de atraso – sem contar o décimo terceiro. Isso inclui jogadores. O que explica o desempenho baixo do time de futebol nos últimos anos. O clube não está na primeira divisão do Campeonato Carioca e não vai bem nas competições que disputou recentemente, como a Copa Rio e a segundona do estadual. O clube é sete vezes campeão carioca e até 1986, era um respeitado clube da primeira divisão.
Os R$ 44,4 milhões são oriundos da seguinte situação: o America adquiriu um número significativo de debêntures da Eletrobras em negócio ordenado por Giulite Coutinho, presidente da CBF no início dos anos 1980 e torcedor fanático do clube, cujo estádio leva seu nome. Na época, o clube ainda era o 13º Clube de Futebol do país. Debêntures são títulos de créditos lançados na bolsa para capitalização de empresas, no entanto, diferente das ações convencionais, precisam ser resgatadas pela própria empresa com correção monetária no período determinado entre as partes. Dizem que Giulite pagou a transação do próprio bolso.
Não houve o resgate por parte da Eletrobras, então o America acionou a estatal na Justiça, cobrando o dinheiro que era seu de direito, com os devidos juros de mora. A sentença favorável ao clube saiu em dezembro de 2005, porém, levou anos para que o processo percorresse as instâncias de apelação e a fase de execução. Dois anos atrás, o valor total a ser pago ao America pela vitória judicial foi calculado em R$ 44.408.418,00.
A quantia, que poderia ser usada para pagar funcionários (que criaram expectativa com a vitória na Justiça), reforçar o time e trazer dias melhores para o clube que já alcançou tantas glórias, foi parar na mão de advogados.
De acordo com reportagem publicada pelo site do Globo Esporte (GE), “A 45ª Vara Cível da Comarca da Capital começou a liberar os pagamentos do processo vencido pelo America no segundo semestre de 2020 e aproximadamente R$ 14 milhões foram distribuídos entre advogados que atuaram (ou não) na ação, embora a juíza Ana Paula Pontes Cardoso tenha limitado o valor do rateio de honorários a 10% da execução, ou seja, R$ 4,4 milhões”.
Ainda de acordo com a reportagem do GE, “isso aconteceu porque o America ou sofreu execuções na Justiça ou fechou contratos que garantiram valores vultosos de honorários – um único escritório ficou com mais de R$ 5,7 milhões, por exemplo”.
Em janeiro do ano passado, o America recebeu sua parte: R$ 15.079.253,37 – já descontados os quase R$ 17 milhões que ficaram retidos por causa de penhoras. Além de regularizar os pagamentos por poucos meses, comprar equipamentos para a academia (anilhas, caixotes de crossfit, bolas de pilates, cama elástica), pintar o estádio e efetuar algumas outras aquisições, sócios e membros da oposição cobram explicações sobre o destino desse dinheiro. O clube ainda não apresentou o relatório financeiro da temporada 2021.
Procurado, o presidente do clube, Sidney Santana não respondeu os contatos. Todavia, o America emitiu uma nota sobre a situação: “A administração do Clube ratifica integralmente a declaração do atual Presidente do Conselho Deliberativo (então Vice-Presidente Jurídico), Sr. Ricardo Florentino, e aproveita para tornar público que serão tomadas as providências cabíveis em face do funcionário do setor jurídico citado na matéria que, de forma covarde, encontrou espaço na reportagem para colocar em xeque a honradez de um dirigente que sempre pautou sua conduta pela integridade e dedicação desinteressada ao America.
Como é de acesso público, por meio do processo eletrônico, do montante devido ao clube, dívidas contraídas por administrações passadas consumiram parte significativa do valor que caberia ao America, tendo sido o Clube o menos beneficiado pelo ganho obtido com a ação. Cumpre informar também, que, como já estava previsto, esses números serão minuciosamente apresentados aos conselheiros do Clube na próxima reunião do Conselho Deliberativo”, diz a nota.
A Sede do Clube na valorizada rua Campos Sales, na Tijuca, que havia sido tombada no segundo mandato do Prefeito Eduardo Paes, acabou destombada por Crivella e foi demolida há alguns anos para a construção de um suposto Shopping Center, o que até o momento não ocorreu. Fontes do mercado imobiliário dizem que não há certeza alguma da futura existência do Shopping Center, e que um investidor do ramo de hotéis estaria bancando pagamentos ao clube até que seu sócio – alguém ligado à indústria de Shopping Centers – consiga viabilizar o negócio. Um conselheiro do America consultado pelo DIÁRIO DO RIO disse que os pagamentos “não são os valores originalmente combinados, mas têm ajudado o clube enquanto nada acontece”.
O America é destaque na novela “Quanto Mais Vida, Melhor”, da TV Globo. Na vida real, tem muita gente esperando os novos capítulos desta trama.
