No aniversário da cidade, no último dia 01 de março, o Prefeito Eduardo Paes pediu um presente ao governador: a demolição do prédio que serviu como anexo da Assembleia Legislativa na Praça XV, de propriedade do Estado. O prédio em questão é bem feio mesmo, um caixote de vidros escuros, que destoa das demais edificações da área. E esse é um prefeito que gosta de demolir. Demoliu a Perimetral e obteve enorme sucesso com a abertura de uma nova área de lazer na Área Portuária, que até hoje não tem um café, uma loja, um bar sequer. Apertou com sádica satisfação o botão para a demolição do prédio histórico da Brahma no Catumbi, e viu surgir no seu lugar um mastodonte envidraçado que até hoje permanece desocupado. Então, será a demolição a melhor alternativa?
O prefeito parece ser tomado por um ímpeto modernista, que tanto mal já fez à cidade arrasando quarteirões. O próprio Catumbi é uma vítima desse processo. Demoliram os sobrados, passaram um viaduto, cujo nome homenageia o golpe militar de 1964, e o bairro ficou irreconhecível, descosturado, sem alma. A mesma coisa aconteceu na Lapa, onde toda uma rede de ruas e sobrados, plenos de vida, foram demolidos, abrindo-se uma clareira na frente dos Arcos. Propunha-se então a passagem da Avenida Norte-Sul, que também rasgaria a região da Saara, e a construção de um quarteirão modernista, ao estilo de Brasília e da Avenida Chile. O projeto era do excelente arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Excelência em projetos arquitetônicos não necessariamente se reflete em excelência em projetos urbanísticos. O resultado para a Lapa não poderia ser pior. Onde a Lapa hoje pulsa é na região que restou de pé, ficando a área resultante da demolição vazia durante o dia, só ocupada à noite, por ambulantes.
Os arquitetos modernistas, ou funcionalistas por sua tara em separar as funções nas cidades, gostavam de um vazio, de isolar uma edificação antiga do seu contexto, deixando-a solitária na paisagem. Quanto engano! Camillo Sitte, arquiteto austríaco do século XIX, já observava que as catedrais góticas se erguiam no meio do tecido urbano medieval, dando-se a conhecer por partes, em visadas fragmentadas. Hoje sabemos que é dessas surpresas e velamentos que gostamos.
A Cidade do Rio de Janeiro cresceu não só por processos de reedificação, mas também por aterramentos de lagoas e praias, empurrando o mar para mais longe. E esses foram processos sucessivos e cumulativos. As urbanizações ao longo da orla no período Passos criaram praças e a avenida Beira Mar. Em seguida, o aterro da praia do Flamengo criou um novo parque à sua frente. O arquiteto Cláudio Taulois estudou como as áreas livres daquele primeiro período ficaram sem muita função após o advento do Parque do Flamengo. Uma atitude interessante da Prefeitura, apesar de ousada, seria permitir a edificação de prédios baixos, para uso público, como cafés e restaurantes, junto a esses espaços públicos obsoletos no Centro, na Glória e no Flamengo. O gramado sem uso ao lado da Seaerj, a Praça do Monroe e a área entre a Murada da Glória e a Praça Paris são exemplos de espaços que pedem alguma ocupação que lhes dê uso. Aliás, esse último já é precariamente ocupado aos domingos por um bar ambulante e por rodas de samba.
Voltando à nossa Praça XV, é impossível não constatar que ela está esvaziada de atividades. Há um fluxo de passageiros das barcas que a atravessam em horários de pico, mas não muito mais acontece. A Bolsa de Valores foi comprada pela Bolsa de São Paulo e fechada. A construção da Perimetral levou à demolição do vibrante mercado municipal da Praça XV, linda obra em ferro do período Pereira Passos. Atualmente, o único fato interessante ali é a feira de antiguidades aos sábados. Na administração Luiz Paulo Conde ainda havia o projeto cultural Fim de Semana no Centro, que buscava animar aquela área, abrindo igrejas para concertos e promovendo espetáculos na praça e visitas guiadas. Então, simplesmente demolir o antigo anexo da Alerj para criar mais um vazio talvez seja um desserviço à cidade. É preciso discutir melhor.
Sim, esse edifício agride a paisagem. Mas, talvez, pudesse ser renovado, retrofitado, alterado, qual seja a denominação que se queira usar para uma intervenção que repense as suas fachadas e o seu interior, lhe dando novo uso. Ali um dia houve uma edificação neoclássica, que teria sido a sede do Ministério do Interior, não um vazio. As imagens desse passado mostram um edifício em harmonia com seus vizinhos. Também do ponto de vista ambiental é um despropósito demolir. Estamos em momento de reciclar, reutilizar, não de desperdiçar. Qualquer uso é melhor do que a criação de um novo vazio, que se somará aos já existentes e não ajudará em nada. Repensar o edifício pode ser um caminho e um grande desafio, já que não se deseja a criação de um pastiche. Um concurso público de projetos de intervenção seria bastante adequado. É preciso superar de vez esse ranço funcionalista. Buscar o vazio é buscar a não cidade.
Interessante abordagem!