O segundo reinado brasileiro, sob a égide de D. Pedro II, incorporou diversas ações que gradativamente aproximavam o Império de alguns centros mais desenvolvidos da Europa, exceto pela mácula do modelo escravista que persistiu até a penúltima década dos oitocentos.
Houve declarada preocupação com o ensino público, alguma liberdade religiosa, implantação de cemitérios extramuros e incentivo à criação de hospitais públicos e privados, associados às irmandades, entre outras tantas iniciativas progressistas.
Em relação à saúde pública, sensível às inovações estrangeiras e ao trabalho de figuras como o notável empreendedor José Clemente Pereira, Provedor da Santa Casa da Misericórdia, o Brasil inaugurou a primeira instituição para abrigar os alienados da Corte, em 1852, denominado Hospício Pedro II, na praia da Saudade, próxima à praia Vermelha.
Registre-se que a palavra hospício, diferente do sentido que adquiriu a partir do século XVI, deriva do latim hospes, o que hospeda. A partir do século XV, passou a denominar o lugar que abrigava idosos, pobres e enfermos até adquirir o sentido de internação e tratamento de doentes mentais ou os “loucos”.
No Brasil, assim como em muitos outros lugares, a família do “alienado”, como era eufemisticamente conhecido, optava por ocultá-los, por vezes trancafiando-os em aposentos insalubres, verdadeiras celas, onde recebiam a alimentação necessária para sobreviver e nem sempre os cuidados mínimos de higiene.
No entanto, médicos como Philippe Pinel, na França, defendiam novas formas de tratamento para os doentes mentais, eliminando sangrias, indução de vômitos, ventosas, clisteres, propondo tratamentos dignos e respeitosos, observando as condições de cada paciente.
Durante a década de 1830, alguns médicos, como Dr. Luiz Vicente De-Simoni e a própria Academia Imperial de Medicina, pleiteavam a construção de um estabelecimento específico para tais pacientes, retirando-os das celas domésticas ou dos subterrâneos úmidos do hospital da Misericórdia.
Sensível aos apelos, o Provedor da Santa Casa, Clemente Pereira, iniciou uma campanha para arrecadar fundos para este novo hospital. Anos depois, em 1852, com a presença do Imperador, cujo nome foi adotado para a nova casa de saúde, foi inaugurado o Hospício Pedro II.
Tratava-se de edificação de grandes dimensões, projetada pelo arquiteto Domingos Monteiro. Sua planta em quadra contava com quatro pátios internos e alas masculinas e femininas, separações pelas condições dos internos, além de ambientes específicos para o tratamento dos pacientes.
A fachada principal adotou o repertório neoclássico, destacando um corpo central, em granito, arrematado por frontão triangular. A escadaria acessava um átrio de primoroso acabamento, com uma escada de madeira para a Capela de São Pedro de Alcântara.
A construção suntuosa recebeu severas críticas de opositores devido aos custos de uma obra com tal finalidade, apelidada de Palácio da Loucura, além de receber uma possível alusão no conto O Alienista, de Machado de Assis, publicado em 1881. A resistência popular era tão grande que o acesso, depois rua Wenceslau Brás, era conhecido como “rua do lá vai um”.
O programa arquitetônico adotado era moderno, seguindo as melhores instituições europeias no trato das doenças mentais, contando com detalhado manual de funcionamento, definindo a ocupação dos quartos e pavilhões, além de alas terapêuticas e espaços para observação.
Ao final do século XIX, já no período republicano, foi criado um Pavilhão de Admissão que tinha por finalidade observar e avaliar os suspeitos de alienação encaminhados pelas autoridades públicas. Após esta triagem, os médicos decidiriam onde abrigá-los e qual o tratamento mais adequado.
No primeiro governo Vargas (1930-45), o Hospital Nacional dos Alienados se encontrava com superlotação e em péssimas condições de funcionamento, o que levou à sua desativação e entrega à Universidade do Brasil (depois UFRJ), em 1944.
Ainda assim, uma seção do antigo edifício abrigou o Instituto Philippe Pinel, fundado em 1937 como o nome de Instituto de Neurossífilis, que ainda funciona em edifício com repertório modernista, próximo ao edifício que lhe deu origem.
Gradativamente, seus internos foram transferidos para a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, ou o Hospital do Engenho de Dentro, que desde 1911 funcionava como Colônia de Alienadas, abrigando pacientes oriundas do antigo Hospício Pedro II.
As mudanças prosseguiam, assim como novas construções numa ampla área arborizada em Jacarepaguá, que já abrigava uma colônia agrícola para doentes crônicos e um hospital para psicopatas, como era denominado.
A partir da década de 1920, foram construídos pavilhões, lavanderia, refeitório, além da reforma de edifícios existentes, muitos dos quais ainda permanecem no complexo. Havia uma diversidade de partidos arquitetônicos, variando entre o ecletismo das edificações mais antigas, como a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, passando pelo neocolonial, presente no chafariz, chegando à influência art-déco, a partir da década de 1930.
Em 1935, a nova instituição receberia o nome de Colônia Juliano Moreira, abandonando a denominação depreciativa de Colônia de Psicopatas. No entanto, assim como já ocorrera no Império, o hospício também era utilizado como instrumento de controle social, internando opositores, presos políticos, como alguns remanescentes da Intentona Comunista.
Entre pacientes ilustres, destaca-se a figura de Artur Bispo do Rosário, artista popular de inigualável talento, que ali ficou internado desde 1938 até seu falecimento, em 1989, onde produziu a obra de toda uma vida, com destaque para O Manto da Apresentação.
Adotando-se a política de afastar aqueles doentes da área habitada, principalmente por uma classe média alta, em 1938 os últimos internos do Hospício Nacional dos Alienados foram transferidos para o Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro.
Em uma área arborizada deste subúrbio da Central, foram construídos pavilhões ao longo das décadas subsequentes, também com linguagens arquitetônicas diversas como o neocolonial, nos primeiros edifícios, art-déco e exemplares modernistas, dispostos ao longo de uma quadra compreendida entre as ruas Ramiro Guimarães, Dr. Leal, Bernardo e Dois de Fevereiro.
Assim como Jacarepaguá fora sinônimo de sanatórios, inclusive presente na música popular (Neurastênico, gravado por “Os Cariocas”, em 1954), “mandar para o Engenho de Dentro” era um anátema para atingir alguém fora dos padrões sociais culturalmente aceitos.
A segunda década do século XX assistiu a uma verdadeira revolução no tratamento psiquiátrico no Brasil, destacando-se Dra. Nise da Silveira, culminando com a lei como Antimanicomial (nº10.216/2001) que definia o fechamento manual de “manicômios e hospícios” do país. O paciente seria internado apenas se o tratamento fora do hospital se apresentasse ineficaz.
Passaram duas décadas até que o Instituto Nise da Silveira, no Engenho de Dentro fosse desativado, com a proposta de transferência dos antigos internos para “residências terapêuticas”, alugadas e custeadas pelo poder público.
Surgiram os Centros de Atenção Psicossocial, responsáveis pelo acolhimento de pacientes com transtornos mentais em tratamento não hospitalar, 150 anos após a inauguração do primeiro Hospício dos Alienados, instituição que retirava os doentes, bêbados ou desafetos políticos das ruas ou de suas casas para evitar sofrimentos e humilhações.
Até que ponto tal realidade efetivamente se transformou?