Como boa parte das cidades, o Rio de Janeiro tem suas fontes e chafarizes. Alguns vêm do período colonial, quando saciavam a sede dos habitantes de então. Outros só sobrevivem na memória, ao nomear lugares, como o Largo da Carioca. O chafariz que lá existia recebia as águas do Rio Carioca, depois que as mesmas, desviadas de seu curso natural em direção ao vale do Cosme Velho e Laranjeiras, escorriam pelo que é hoje a Rua Almirante Alexandrino, em Santa Teresa. Elas cruzavam os Arcos da Lapa, construídos especialmente para isso, e chegavam ao velho chafariz. Velho chafariz que, no século XIX, foi substituído por um novo, neoclássico, projetado por Grandjean de Montigny, e que, assim como o velho, não teve a sorte de sobreviver ao chamado progresso. Foi demolido em 1925. Outro chafariz, que também recebia as águas do Rio Carioca, era o das Marrecas, projetado pelo Mestre Valentim na atual rua Evaristo da Veiga, em frente à atual rua das Marrecas. Dele só restaram as esculturas do Caçador Narciso e da Ninfa Eco, hoje no Jardim Botânico.
Mas há os chafarizes que desapareceram dos espaços públicos, sem sequer serem lembrados. Impressionante o número de chafarizes nessa situação. Teriam sido capazes de embelezar qualquer cidade brasileira, mas aqui, simplesmente foram destruídos, ou removidos para depósitos onde a memória não os alcança. Na área central podemos citar o das Lavadeiras, que desapareceu com a reforma do Campo de Santana, o do Mercado, também de autoria de Grandjean de Montigny, que ficava entre as ruas do Mercado e Ouvidor, e o que havia no Largo de Santa Rita. Próximo ao Morro do Castelo, que também já não existe, havia o Chafariz do Largo do Moura.
Também os bairros receberam chafarizes para abastecimento de água ou embelezamento, que já não existem. Na rua Conde de Bonfim havia o Chafariz do Aragão. No Largo de Benfica havia o Chafariz de Benfica, também projetado por Grandjean. Na Praça Seca houve o Chafariz Crianças no Guarda Chuva e, no Largo do Tanque, o Chafariz do Largo do Tanque. Da Fonte da Saudade só restou o nome do pequeno bairro junto à Lagoa, já que a fonte também já não existe.
Francisco Bolonha foi um arquiteto modernista, que projetou vários chafarizes na cidade, entre os quais o da praça do Bairro do Peixoto, mas que teve pouca sorte com relação à sobrevivência dos mesmos. Um deles existiu na Praça Nossa Senhora do Amparo, em Cascadura. Outro existiu no Jardim do Méier, demolido para a construção do viaduto. Em Bangu, na Praça da Fé, existiu outro de seus chafarizes que passou por uma saga bem carioca. Construído em 1965, no governo Lacerda, foi demolido em 2002 e reconstruído anos mais tarde, atendendo a um abaixo assinado dos moradores. Pouco adiantou, o chafariz foi novamente demolido em 2019, na administração Crivella.
Outros chafarizes tiveram vida curta, como o da Praça Mário Lago (Buraco do Lume), de 1974, o do Parque Irmãos Bernadelli (abaixo do Trevo das Forças Armadas), de 1989, e o que existiu nos fundos da Igreja da Candelária, de 1988. A bacia deste último continua no local, transformada em jardineira onde só cresce uma grama seca e malcuidada. Há também a categoria dos chafarizes de vida extra curta. Foram aqueles construídos nas obras do Projeto Rio Cidade, em 1996. Entre eles, o Chafariz do Rio Carioca, na Praça José de Alencar e o Chafariz da Vila Elite, no Catete.
Entre aqueles que ainda resistem, poucos são os que estão em bom estado de conservação, e menos ainda os que jorram água! Há um descuido com esse passado e um mal-estar com o fato de que moradores de rua os utilizem para se limpar. A solução encontrada para esse “problema” é sempre retirar o sofá da sala, ou seja, desativar o repuxo ou demolir o chafariz. Nossos chafarizes são joias construídas por outras gerações de artistas para o deleite público, como o da Glória, frequentemente pichado, o dos Jacarés, ou Fonte dos Amores, no Passeio Público, o magnífico Chafariz do Mestre Valentim na Praça XV, o Chafariz das Saracuras na Praça General Osório, do mesmo autor, o do Lagarto e o de Paulo Fernandes no Catumbi, e o da rua do Riachuelo, todos do período colonial.
Não devemos nos esquecer também dos exemplares do século XIX, como o Chafariz de Grandjean de Montigny na Praça Afonso Vizeu, o Chafariz da Imperatriz, na Praça Barão de Tefé, e o belo chafariz da Praça do Monroe, de 1880, de autoria de Mathurin Moreau. Tão lindo, não chega a preencher o vazio do palácio criminosamente demolido, e funciona de forma intermitente, ou seja, um curto período recuperado, seguido de vários anos de abandono. Belos também são a Fonte da Criança, na Praça do Santo Cristo, A Fonte, na Praça São Salvador, os chafarizes da Praça Xavier de Brito e da Praça Paulo de Frontin, e as fontes Wallace, com cariátides e cúpula, de Santa Cruz, do Parque da Cidade e da Floresta da Tijuca.
Na cidade que tem nome de rio, os rios estão canalizados, subterrâneos, invisíveis. E as águas dos chafarizes não jorram. Não nos é dado o prazer que os romanos experimentam a cada fonte de sua bela cidade. É preciso liberar energias, aspergir água, umedecer os dias, trazer de volta à vida os nossos chafarizes. Entre eles, o da Praça Ben Gurion, em Laranjeiras, de autoria do azarado Bolonha, mas hoje seco e cercado por equipamentos de ginástica excessivamente próximos de sua bacia. Assim como a cidade, a obra do arquiteto Bolonha merece esse cuidado.
A solução é acabar com os chafarizes e não com as políticas públicas que aumentam o desemprego e a miséria, que levam as pessoas a viverem nas ruas.