É quase regra que a discussão do Orçamento Público soe para o grande público como uma mera sopa de letrinhas no noticiário. Ouvir falar de PPA, LDO, LOA e LRF, dentre outras siglas, sem as devidas explicações pode mais confundir do que informar. As informações a respeito, que deveriam ser básicas e ensinadas para o fácil entendimento de qualquer brasileiro, ficam distantes pela falta de interesse do poder público em ser transparente com a população. Por isso, esse tipo de conhecimento não é difundido.
Eu, como economista, firmo o compromisso de discutir o orçamento de nossa cidade de forma didática para dar clareza ao que o governo propõe e faz (ou não). Afinal, cada um deve ser capaz de tirar as suas próprias conclusões a partir dos dados disponíveis e da vivência diária no Rio. Eu, como morador da Zona Oeste, sempre priorizo demonstrar as desigualdades da nossa região e utilizo minha atuação como parlamentar na Câmara Municipal para dar voz às mais diversas demandas, estabelecendo constante diálogo com a Prefeitura, mesmo sendo de partido de oposição.
Dito isto, é importante que se saiba que o orçamento público de um ente (União, Estado ou Município) é dividido em alguns passos que são discutidos em períodos diferentes ao longo do ano na forma de projetos de lei. Esses projetos são elaborados pelo Poder Executivo e enviados para a análise e discussão do Legislativo, que pode alterá-los com emendas parlamentares.
Ao final de 2021, passamos pela primeira etapa desse processo com a votação do Plano Plurianual (PPA) para os anos de 2022 a 2025. O PPA é um planejamento de médio prazo, no qual se apresenta todas as metas para a cidade nos próximos quatro anos. Suas metas expressam em números tudo o que será realizado pela Prefeitura, como, por exemplo, a quantidade de refeições que serão servidas nas escolas ou os quilômetros de ruas a serem asfaltadas.
Já no segundo passo, temos a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO, que é discutida todo ano. É sobre ela que a Câmara Municipal irá se debruçar nos próximos meses no planejamento de 2023. Além de trazer uma atualização das metas apresentadas no PPA, a LDO também apresenta diversos dados financeiros, como as projeções de quanto será arrecadado nos próximos anos e a meta de superávit primário. A saber, o superávit primário é a diferença entre as receitas e as despesas descontados os juros da dívida pública. Ou seja: esse cálculo serve para estimar o quanto do orçamento sobrará para o pagamento desta dívida.
O projeto de LDO de 2023 apresentado pela Prefeitura do Rio ainda se vale do otimismo com os recursos ganhos com a venda da CEDAE. Vale lembrar que dos R$ 37,5 bilhões arrecadados no ano passado, R$ 4 bilhões foram referentes à venda da CEDAE e esse ganho não se repetirá. Ainda assim, a Secretaria Municipal de Fazenda estima arrecadar R$ 39,6 bilhões em 2023.
Você pode se perguntar “mas como a Prefeitura sabe o quanto vai arrecadar?”. Então, eu explico. Primeiramente, os valores expressos em qualquer Lei Orçamentária são estimativas e, portanto, são sujeitos a variações para mais ou para menos. A Secretaria de Fazenda usa as projeções de inflação, taxa de juros e PIB e as arrecadações de anos anteriores para fazer o cálculo. Quando há uma grande falha nessa previsão e não se arrecada o esperado, as políticas públicas ficam em perigo. Melhor explicando, as ações previstas não podem ser feitas.
Por falar em metas propostas, observamos que, em muitos casos, a Prefeitura não cumpre o que manda a Constituição (Art. 165, § 1º) ao não apresentar todas elas no PPA detalhando o quanto vai para cada região da cidade. Este é um erro que se repete também na LDO. Isso dificulta nosso trabalho de pesquisa das desigualdades promovidas porque não sabemos o quanto será dedicado para a Zona Oeste e demais áreas. Mesmo assim, conseguimos encontrar diversos dados que comprovam a nítida diferença de tratamento entre a região e as demais da cidade. Vou apresentar alguns exemplos a seguir a partir daquilo que é posto para cada Área de Planejamento, ou seja, para cada um dos cinco “pedaços” que a Prefeitura definiu para organizar os seus planos. Elas estão expressas no mapa abaixo e a AP5 representa a Zona Oeste excluídos os bairros de Jacarepaguá (com todos os seus sub bairros), Barra da Tijuca, Recreio, Vargem Grande, Vargem Pequena e adjacências.
Reformas das instalações da Guarda Municipal: para 2023, estão previstas reformas de quatro instalações, nenhuma delas na Zona Oeste.
Programa Cegonha Carioca: a AP5 foi a única região que não recebeu metas de leitos qualificados para cuidados de bebês e gestantes no programa.
Operadores de trânsito: serão apenas 2 mil atendimentos na AP5 contra 12 mil na AP3 e 7,5 mil na AP2.
Estabilização Geotécnica: no programa de prevenção de deslizamentos em áreas de encostas ou com erosão acelerada, a meta da AP5 é a menor para a cidade, com apenas 5% das obras de contenção e drenagem.
Manejo de árvores: ações de poda e cuidados das árvores urbanas, inclusive as que possuem raízes que danificam calçadas. Mesmo a AP5 representando a maior extensão territorial, ficará com uma meta de 29 mil árvores, enquanto a AP3 apresenta 50 mil.
Macrodrenagem (melhorias de escoamento de rios e águas das chuvas): previsão de metas apenas para as AP2 e AP4, demonstrando que as desigualdades existem mesmo dentro da Zona Oeste. Enquanto isso, intensificam-se as enchentes na nossa região, situação que se agrava com as mudanças climáticas.
Coleta de lixo seletiva: 1.947 toneladas de lixo na AP5 contra 6.209 previstas para a AP2.
Desassoreamento dos rios: em 2020, de todo o material retirado dos rios da cidade, apenas 1,8% foram provenientes da AP5, num total de 17,5 mil m³ contra 795 mil m³ na AP2. Para 2023, a situação pouco mudou. A previsão da Zona Oeste continua sendo a mais baixa da cidade, representando apenas 3% do total.
Ou seja, não são poucos os dados que demonstram a falta de investimento adequado à maior e mais populosa área do município. Faltam estímulos ao descarte correto do lixo, a limpeza feita é insuficiente e o quase inexistente serviço de desassoreamento dos rios transformam a Zona Oeste em palco certo para as constantes, e cada vez mais intensas, enchentes.
Certamente, os números aqui apresentados são apenas parte de problemas muito mais profundos e estruturais enfrentados pela Zona Oeste, mas servem para demonstrar os danos causados pela oferta de políticas públicas desigual. É fundamental trazer a Zona Oeste para o centro do debate porque precisamos agir contra tais desequilíbrios. É com esse pensamento que estamos presentes e vigilantes nas discussões e votações de todos os projetos orçamentários para o ano que vem.