William Bittar – Escultura da Maternidade: a descaracterização de um ícone do modernismo brasileiro

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre a famosa escultura presente na Praia de Botafogo

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Escultura da Maternidade - Foto: Reprodução

No gramado da Praia de Botafogo, diante da Igreja da Imaculada Conceição, jaz um grupo escultórico de mármore, praticamente invisível devido à sua implantação, uma ilha cercada por vias de tráfego intenso: a Maternidade, oportunamente aqui destacada como homenagem às mulheres e ao Dia das Mães.

Aquela figura feminina, com uma criança no colo e rosto apoiado no seio materno, sequer desperta a curiosidade dos transeuntes, quase oculta sob o viaduto Santiago Dantas e difícil acesso aos pedestres.

Trata-se de uma obra esculpida por Celso Antônio de Menezes, artista moderno brasileiro, responsável por diversas outras esculturas distribuídas pelo país, assim como algumas integrantes de um edifício referencial para a arquitetura moderna internacional, o Ministério da Educação e Saúde, projetado e construído no primeiro governo Vargas.

A força feminina encontra-se expressa com energia em trabalhos do escultor, nem sempre correspondendo às expectativas da sociedade da época, pois apresentam mulheres plenas da sensualidade tropical.

Em relação ao conjunto escultórico do Ministério, a professora e arquiteta Sandra Branco, em livro lançado recentemente sobre o Palácio Capanema, noticiado neste jornal, aborda alguns pontos muito significativos como a presença da representação feminina dominante nas esculturas, ainda que a maioria produzida por homens.

Ali está, no térreo, o Monumento à Juventude Brasileira, de Bruno Giorgi, que substituiu a proposta do Homem Brasileiro, de Celso Antonio. Também neste piso encontra-se a Moça em Pé, do mesmo autor, no hall privativo para o Ministro. No terraço-jardim, anexo ao gabinete ministerial foram implantadas duas esculturas, a Moça Reclinada, de Celso Antonio, depois removida deste terraço-jardim, e a Mulher Sentada, de Adriana Janacópulos.

Destaque-se que esta artista é a única representante feminina presente no grupo responsável pelas artes integradas e produziu uma vigorosa escultura em granito cinza que traduz a força da mulher brasileira, com seus traços marcantes e uma posição que indica o movimento de se erguer do pedestal, diferente de uma postura passiva. Em entrevista à imprensa, Janacópulos revelou as diretrizes para sua escultura desde os estudos iniciais, pois era necessario que a nossa esculptura fixe tal modelo, eternize as linhas e a vida interior da brasileira de hoje – tal como ela existe já no romance, na poesia, na música (na canção popular) e mesmo na pintura.

Sobre o núcleo da escada helicoidal que liga o térreo ao salão do mezanino, originalmente dispunha-se a Maternidade, escultura que foi retirada do local, por questões de gosto pessoal, como no caso de Lucio Costa, arquiteto e funcionário do Ministério, que, aproveitando a realização de serviços de manutenção no edifício, encaixotou a obra e autorizou sua sua transferência para os jardins da Praia de Botafogo, em 1968. Neste novo endereço ela queda-se exposta às intempéries (registre-se que foi idealizada para um ambiente fechado) e ao vandalismo, provocando sua deterioração.

Algumas daquelas obras para o Ministério da Educação nasceram incompreendidas, como o Homem Brasileiro, de Celso Antonio, nunca construído; a nudez sensual da Moça Reclinada, que causou protestos de conservadores; a força nativa da Mulher Sentada, de Janacópulos, acompanhando a Moça nos jardins ministeriais, pouco visitados pelo grande público; as duas peças que se encontram mais acessíveis à contemplação, o Prometeu de Lipchtiz, motivo de polêmicas, rejeições e pilhérias, desde sua colocação na empena cega do auditório, ou o colossal conjunto Juventude, de Giorgi, a única escultura que inclui um casal, mas nesse caso, com o sutil posicionalmento da figura masculina à frente. Uma concepção forte e vigorosa, que homenageava os jovens, procurando aproximá-los do Estado Novo.

Aquele jovem casal percorre o átrio, caminhando sob os pilotis, diante dos azulejos de Portinari e entre os jardins de Burle Marx. Em algum momento da história recente participaram ativamente dos protestos estudantis, entre cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo. A figura feminina pode até estar caminhando atrás, porém certamente protegendo o companheiro, aguardando o momento de seguir ao lado, quem sabe até os jardins da Praia de Botafogo para resgatar a Maternidade para seu lugar de origem, de onde não deveria ter saído.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

6 COMENTÁRIOS

  1. O modernismo é um câncer, o modernismo Brasileiro então… Só criou as estruturas mais feias já existentes, derrubou o velho, o belo, o transcendente para criações de obras datadas e que não passam do teste do tempo além de criar um típico pensamento do carioca: pra que conservar? Deixo cair aos pedaços e depois derrubo e construo de novo. O pensamento que fez a cidade se descaracterizar de tal forma que virou uma colcha de retalhos, uma cidade que transparecia beleza hoje é uma desordem e o pior, feia pelo excesso desse modernismo cafona. Ninguém para para admirar por mais de 1 minuto algo moderno, não tem muito o que se admirar mas o clássico, o neoclássico, eclético… A cada olhada é um detalhe novo, um significado,uma forma.

    • Caro Nil,
      Seu comentário coincide exatamente com o pensamento de um famoso lider Z do século passado que realizou uma grande exposição de arte X em um país europeu Y. Dito lider causou a morte de milhões e milhões de seres humanos além da destruição total de várias cidades.
      Para encurtar: a exposição se intitulou “Arte Degenerada” e aconteceu sob iniciativa do Adolfinho Aquele. Qual? Adolfo Hitler, sim o próprio, o mais criminoso dos criminosos dos últimos tempos. O ano era 1937, na Alemanha em seu 4? ano de regime nazista! Em 1933 quando Hitler assumiu o poder, ameaçou os artistas dando 4 anos para se “adaptarem”. Os artistas expostos e ridicularizados na dita exposição em 1937 foram nada mais nada menos que os gênios do século XX reconhecidos e consagrados por todos os povos e museus do mundo!
      Ora Sr. Nil, o Sr. deve se informar melhor sobre arte e história da arte antes de ficar se expondo ao ridículo com sua ignorância. Ou melhor, o Sr. deveria tentar um bom tratamento psiquiátrico reforçado com remédios que a moderna indústria farmacêutica tem a oferecer.
      Claro que existem outros caminhos.
      O AMOR por exemplo.
      O Sr. já experimentou ?
      Passar bem!

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