“Essa raça aí é forte”, disse o senhor, ao me ver caminhando com minha cachorra, a Baunilha. “Tive quatro dinamarqueses, grandes. No final das contas, quem cuidou foi minha mãe”, completou ainda. Na esquina, nos despedimos. A cada dia que passa entendo melhor as agruras e alegrias de ter adotado uma cadela. Uma das coisas boas, sem dúvidas, é a socialização que ela me proporciona, e que proporciono a ela.
Após as vacinas que deveria tomar, pude finalmente levá-la para passear. Em uma das primeiras vezes, fui ousado, levei para a padaria e resolvi ensinar a bicha a me esperar. Lógico que não deu certo. Prendi a guia num poste e entrei. Ela ficou pulando para lá e para cá, dando voltas no poste até ficar toda enroscada. Um senhor fã de cachorros ajudou-a. Fui até o balcão e pedi seis pães franceses moreninhos, do jeito que minha família gosta. Chegando perto do caixa, olho para o chão e quem vem cheirando tudo atrás de mim sem nem sinal da coleira peitoral? Ela mesma, Baunilha. Todos ficaram olhando. Larguei o pão, ergui a cachorra de sete meses que já pesa 15 quilos e levei até a coleira peitoral rosa. Humildemente pedi para uma funcionária pagar o pão para mim e lhe dei o dinheiro.
Há pouco tempo, a ousadia me invadiu novamente. Fui na farmácia 24 horas comprar remédios para minha mãe. Tinha um homem com cachorro também e deixou a guia com um funcionário. “Pode deixar ela aí no poste”, me disse um outro. “Ela esperneia um pouco…”, avisei. Entrei e foi uma chuva de latidos na madrugada de domingo. O pior é que demorou, pois só havia um atendendo os pedidos com receita. Ignorei os latidos, torcendo para ela ficar tranquila, ainda fui lá e pedi para a doida deitar, dei um petisco, mas de nada adiantou. Ela seguia latindo em busca do tutor.
Resisti firmemente e fui ao caixa pagar. O outro senhor com seu cão já havia pago e quando olho está segurando Baunilha. “Ela se soltou, vai fugir, vai me morder!”, gritava. “Não, calma, ela só quer vir atrás de mim”, respondi, enquanto meu cartão de débito aguardava a senha. Saí para acudi-los, claro. “Se fosse o meu já tava correndo para a rua”, falou o homem. “Ela se solta para me procurar, é boazinha”, concluí. Prendi a doce Baunilha novamente e voltei rapidamente para pagar, ouvindo os latidos. Ufa, consegui. Voltei e o homem estava lá acalmando a canina. Ela ficou quietinha assim que voltei, pulou em mim e quando comecei a andar conduzindo-a, parecia que nada havia acontecido.
Bodevan e o velho rei
Alguns dias depois resolvi conhecer o famoso Parcão, ou seja, uma área fechada para cães, na Praça Xavier de Brito, tradicional do bairro da Tijuca. Era um domingo de manhã agradável. Baunilha entrou tranquila e logo outros cães vieram lhe cheirar. Ela ficava sem jeito, colocava o rabo entre as pernas, não sabia bem o que fazer. Um peludo de 40 quilos, de nome Bodevan, queria algo a mais, insistia. Ela, castrada, comportada, desviava dos olhares 43 caninos do urso em forma de cão.
Sentei numa pedra e Baunilha pulou para ficar ao meu lado, ambos éramos novos naquele mundo dos cachorreiros e ficamos mais observando do que socializando. Mas ela claramente foi bem recebida, recebeu alguns carinhos, sempre simpática. Também senti acolhimento. Um senhor me deu algumas dicas para fazê-la subir nos brinquedos. Em cima de um banco, uma moça penteava o seu e conversava comigo sobre os tipos de escova. Outra vinha com um cão mais idoso, que só tinha um olho. Chamava-se Rei. Latia para a dona dar atenção, em especial quando puxou assunto comigo. “Ao invés de rei, acho que deveria ter dado o nome de Buda”, comentou. Não tenho muitas dúvidas que dera o nome que deu para homenagear o velho provérbio: “Em terra de cego quem tem um olho é rei”. Não perguntei, mas deduzi. Na próxima vez, confirmo.
Em seguida, um rapaz com fone de ouvido e óculos escuros entrou com seu cão. Não falou com ninguém e foi sentar num canto. De repente, não sei bem como, outro cão resolveu implicar com aquele do rapaz. E mais alguns. Rodearam e começaram uma aparente briga. O homem foi lá e levantou seu cão. Vi em algum lugar que essa não é a melhor atitude. Os outros ficaram latindo em volta e ele foi saindo. Com a mesma cara fechada que entrou, saiu. Baunilha e eu esperamos em cima da pedra pacientemente. Entreolhamo-nos. Ficamos um pouco mais e seguimos. Aprendendo.
Ah, Bodevan nos seguiu até a saída e ficou me olhando com cara de pedinte. Para Baunilha, olhava como apaixonado. Amor canino.
Linda a baunilha!!! Imaginei todas as cenas rsrs…
ahuahau Fico feliz de despertar sua imaginação, Gisele! Grato pelo comentário!
Parabéns pelo texto leve, divertido e inteligente!
Eu que agradeço pelo comentário e carinho!