Roberto Anderson: O Serro

O apego a uma cidade que está na origem da sua família é algo muito forte, que num país de muitas mudanças, nem todos podem experimentar

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Foto: Roberto Anderson

O Rio de Janeiro é a minha casa, o lugar em que gosto de estar, que busco conhecer mais e mais, e para o qual dedico boa parte das minhas energias. Mas o Serro, em Minas Gerais, é a minha origem. Não é a cidade onde nasci, mas sou fruto da diáspora serrana. O apego a uma cidade que está na origem da sua família é algo muito forte, que num país de muitas mudanças, nem todos podem experimentar.

O Serro sempre esteve nas conversas da família, saudosa por ter ido buscar oportunidades de trabalho em cidades maiores. Sei das denominações que o Serro já teve. Sei do frio que era adicionado ao seu nome, da nobreza do antigo título de Vila do Príncipe, e da nomeação indígena para o lugar: Ivituruí. Sei da Serra do Espinhaço, onde a cidade se localiza. Sei da negra Jacinta de Siqueira, que teria descoberto o ouro que deu origem à cidade e deixado larga descendência. E sei das histórias dos personagens pitorescos, como a do Silvio Picolé, que ganhou essa alcunha depois de trazer de muito longe um picolé no bolso, novidade para a cidade, mas que já chegou derretido.

O Serro tem festas populares que são o orgulho da sua gente, como a Festa de N. Sra. do Rosário, com seus caboclos, marujos e catopês, ou a Festa do Divino, com a coroação do Imperador e da Imperatriz. O Serro tem um queijo que nenhum outro lugar tem. O Serro é uma cidade da corrida do ouro, que já conteve Diamantina, que tem igrejas e casario colonial e uma autoestima que a faz atravessar em paz a longa decadência. 

Quando caminho pela cidade, e piso o seu calçamento irregular em pé-de-moleque, penso nas andanças de minha mãe por essas ladeiras e becos, desafiando o conservadorismo local. Penso em todos os amigos que aqui fez e na sua entronização como Rainha do Avante, antigo time de futebol da cidade. Penso nela sendo disputada para formar par nos bailes do clube, exímia dançarina que foi. E penso também nos olhares de reprovação por sua independência em meio a uma sociedade patriarcal.
O Serro é uma cidade negra. A maioria das pessoas que se vê nas ruas do Serro é de negros e mestiços, antes humilhados e contidos em espaços subalternos, mas hoje ocupando postos mais diversificados e à frente de pequenos negócios. É provável que a elite de fazendeiros ainda seja branca, mas a festa que dá orgulho à cidade é negra. 

O Serro não alcançou a prosperidade de Ouro Preto, mas legou ao Brasil juristas e políticos, como os Ottoni, Pedro Lessa e Edmundo Lins, e grandes artistas do período colonial, como o Mestre Valentim e o maestro Lobo de Mesquita. Por ter ficado isolada do progresso, a cidade conservou seu Patrimônio, tendo sido tombada pelo Iphan em 1938.

De tempos em tempos retorno ao Serro. Lá descobri o footing noturno na praça, ingênua forma de flerte que não mais existe. Lá vi pela televisão o homem pisar na lua. Lá dancei com os caboclos da festa do Rosário. Lá conheci as diversas casas que um dia meus familiares habitaram e as ruas que trazem nomes de antepassados. Lá fui apresentado a primos distantes. Lá reconheço de onde vim.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

7 COMENTÁRIOS

  1. Roberto Anderson este Serro que tanto te encanta está sendo entregue ao dragão da Mineração. O Atual prefeito (Nondas) já concedeu a “Carta de Conformidade Ambiental” para duas mineradoras. O Codema local aprovou a instalação das mineradoras Herculano e Onix. O processo foi cheio de vícios e manobras do poder executivo e legislativo local para atender os interesses minerários. A primeira cidade brasileira tombada pelo Iphan vai conhecer crise hídrica e grande devastação ambiental provocada pela atividade mineraria. Enquanto isto, o Plano Diretor da cidade segue engavetado para atender os interesses das mineradoras. O Serro prepara-se pra ser mais uma vítima da mineração, que tudo leva e muito pouco deixa. O cheque em branco foi assinado e o potencial turístico do Serro deixado de lado.

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