Ana tem 47 anos e cuida do pai, que, aos 94, sofre de Alzheimer. É ela quem narra o novo romance de Alex Andrade, Para os que ficam, publicado pela editora Confraria do Vento. Filha mais velha e única mulher de três irmãos, Ana acaba se vendo responsável pelos cuidados com o pai. Ela relata as dificuldades que enfrenta para cumprir esta função, como o constrangimento de ambos no momento do banho do
idoso.
Além disso, sua rotina é monótona, restrita a cozinhar, dar banho e os remédios do pai, que passa o dia assistindo TV. Presa em casa, Ana busca refúgio nos vícios e tenta movimentar o cotidiano com pequenos prazeres que trazem alguma sensação de liberdade, como um banho de chuva.
Embora o presente de Ana seja vazio, ela é atormentada por um passado de situações difíceis e traumáticas. Ao relembrar sua trajetória, a personagem mergulha – e leva o leitor – em uma espiral de traumas e sentimentos angustiantes, que revelam como sua vida se transformou no que é agora. A infância foi difícil, pois desde muito nova precisou proteger a si mesma e ao irmão mais novo, Luciano, de Mauro, o irmão do meio, que tinha comportamento agressivo. Ana fala sobre a dificuldade de ser a única menina e da criação diferenciada que recebera por isso, recebendo diversas recomendações que não eram dadas aos meninos:
“(…) e tem que sentar de perna fechada, e tem que ter ‘modos’, e não pode isso e não pode aquilo, e tem que vestir roupa decente, e tem que pensar na hora de falar, porra, eu não tenho direito de fazer igual a todo mundo, por quê?”
Mais tarde, um relacionamento conjugal abusivo trouxe as crises de ansiedade e pânico. Na companhia de outras pessoas, os dois pareciam formar um casal feliz e equilibrado, mas, como acontece em inúmeros casos reais, “ninguém desconfiava de tudo o que acontecia ao apagar das luzes”. Isso, porém, não impede que, no desespero de seu presente insuportável, Ana algumas vezes pense no ex-companheiro Jota como alguém que poderia salvá-la.
O autor Alex Andrade traz uma personagem complexa e cheia de sentimentos contraditórios e vícios, uma personalidade adoecida, moldada por suas decisões do passado e também por situações nas quais sentia não ter escolha. O ambiente do romance é claustrofóbico, pois Ana sente necessidade de se libertar não apenas do ambiente em que se encontra, mas de si mesma, daquilo em que sua vida se transformou.
Para os que ficam provoca reflexões sobre o papel da mulher na sociedade, sobre as decisões que tomamos e o que pode ser feito para que o passado não nos aprisione.
Livro: Para os que ficam
Autor: Alex Andrade
Editora: Confraria do Vento
Páginas: 160
Isso não é só mulher que passa, até homem sente a toxidade da sociedade