Acordamos deslumbrados com a experiência fantástica de conhecer tão de pertinho os pinguins de Magalhães na maior reserva continental do mundo (se você perdeu, volte uma coluna que certamente não irá se arrepender!). Em contrapartida, o coração também estava saudoso da família, pois passamos o primeiro aniversário longe de todos. Bônus e ônus intimamente conectados.
No entanto, precisávamos seguir adiante e a jornada prometia, faríamos novamente um trecho bem longo para conseguir dormir em Puerto San Julian (605km). Aquele esquema: muita música, podcasts, almoço pelo caminho, empanadas e muita conversa.
Durante parte do percurso na Ruta Nacional 3 (RN 3) estávamos mais próximos ao mar, era um mix de vales desérticos de um lado e o oceano do outro. Somos suspeitos para falar, toda a estrada nos encantou, mas esse trecho merece um destaque, um dos mais bonitos até então.
As horas de direção pediram a conta dessa vez, o Livio sentiu bastante incômodo na perna por conta do tempo de estrada e tivemos que fazer uma parada estratégica em um posto de combustível YPF para descansar antes de seguir em frente. Caminhamos um pouco e nos deitamos para esticar o corpo. Utilizamos o longo dia de sol a nosso favor, afinal de contas ele não veio só para incomodar a vista durante a direção.
Conseguimos chegar em Puerto San Julian, mas junto veio o nosso primeiro frio patagônico. Não é “só frio”, ele vem com rajadas de ventos que congelam externa e internamente seu corpo de uma maneira impressionante. Não temos do que reclamar, já havíamos percorrido inacreditáveis 2.500km em solo argentino rumo ao Fim do Mundo. Nesse momento tivemos uma certeza, precisávamos reorganizar as roupas e pegar as cobertas pesadas no dia seguinte antes de continuar viagem.
Aproveitamos a reorganização do armário de roupas para fazer uma faxina na casa. Pode não parecer, mas esses poucos metros quadrados de casa sujam em uma velocidade impressionante. Afazeres domésticos concluídos, caminhamos pela cidade que é considerada o marco zero da Patagônia! Isso porque foi aqui onde parou Fernão de Magalhães com a nau Victoria, primeira embarcação a concluir uma volta ao mundo, emblemática para nós viajantes. O que não sabíamos é que entre os 18 sobreviventes da tripulação de 250 homens não estava o capitão português.
Descansados, acordamos antes das galinhas com a ousada proposta de seguirmos direto para a fronteira, não pararíamos em Rio Gallegos como a grande maioria dos viajantes opta. Queríamos cruzar para a Tierra del Fuego e dormir na primeira cidade da província, Rio Grande (727km).
No caminho fizemos uma só parada, indicada como imperdível por um Hermano que conhecemos em Puerto San Julian: Laguna Azul. Localizada a 60km de Rio Gallegos e somente 7km antes da aduana argentina, essa lagoa se formou sobre a cratera inativa de um vulcão. Muito louco pensar que estávamos pisando sobre um vulcão adormecido. Se tiver tempo, desfrute de uma tarde de piquenique ou caminhada por ali que vale a pena. Apesar do vento, a paisagem é deslumbrante. Nós só tínhamos trinta minutos, precisávamos chegar em nossa primeira barreira migratória antes das 16 horas.
Você pode estar se perguntando sobre que diacho de fronteira se estamos na Argentina e a Tierra del Fuego é argentina. Calma, vamos esclarecer. Para chegar lá é necessário cruzar uma parte do território chileno, há um recorte no mapa do extremo sul do continente que nos obriga a fazer isso. Logo, teríamos que fazer quatro aduanas: (i) sairmos da Argentina; (ii) entrarmos no Chile; (iii) sairmos do Chile; e, finalmente, (iv) voltarmos para Argentina. Haja burocracia!
Todavia, dos males o menor, como nesse trajeto não é optativo entrar ou não no território chileno, é concedida uma espécie de “permissão de passagem” para atravessar e não nos foi exigido exame da COVID-19. O restante da documentação e trâmites foram os mesmos pelos quais já passamos e contamos aqui (volte algumas colunas que encontrará detalhado).
Em contrapartida, ao entrarmos no Chile tivemos nossa primeira revista efetiva da casa. Fiscalizaram os armários da cozinha e a geladeira, nos fazendo descartar as poucas frutas e verduras que não havíamos consumido. Estávamos preparados para isso, mas é inegável que dá aquele “friozinho na barriga” quando entram na sua casa e fazem um monte de perguntas.
Dentro do território chileno, cruzamos o Estreito de Magalhães na última vaga de uma balsa que leva aproximadamente 45 minutos e custa ARS$5.100,00 – R$ 130,76. As barreiras migratórias para sair do Chile e voltar para a Argentina foram super-rápidas. Não havia razão para ser diferente, pois no trajeto sequer há onde parar direito.
De volta na Argentina, estávamos oficialmente na Tierra del Fuego! Nossa chegada não poderia ser melhor, fomos presenteados por um pôr do Sol cor de rosa jamais visto antes.