Remexendo antigos exemplares do ‘Cartoon’, um jornalzinho de humor que eu editei, no final da década de 80, no Rio de Janeiro, encontro um desenho do cartunista baiano, Lage, morto em 2006.
Na época, Lage anunciava, no recém lançado jornal carioca, a inauguração da primeira ‘Galeria de Humor’, do mundo, criada junto com o cartunista e ceramista Valtério, na rua José Guimarães, 4, na Boca do Rio, em Salvador.
Conheci a arte do cartunista baiano Lage quando ele começou a ilustrar a coluna esportiva de Carlos Eduardo Novaes, no ‘Jornal do Brasil’. Os textos do Novaes eram hilários. Com o traço do Lage, ganhou mais humor e non sense.
Nascido no dia 16 de setembro de 1946, em Salvador, desde cedo o menino Hélio Roberto Lage teve contato com as formas e a arte. Ainda criança, fazia bonecos de cera, e ganhou até um prêmio no concurso da Toddy. Aos 15 anos se apaixonou, definitivamente, pelo desenho.
Em 1967 foi trabalhar como ilustrador na ‘Revista de Turfe’. Em 1969 começou a criar charges e tiras de quadrinhos no recém fundado, ‘Tribuna da Bahia’.
Dono de um traço simples, leve, ágil, cortante e irreverente, nos anos 70 começou a desenhar uma página de humor no jornal ‘O Dia’, do Piauí. Durou um ano. Em seguida começou a ilustrar a coluna esportiva de Carlos Eduardo Novaes, no ‘Jornal do Brasil’.
Para o suplemento ‘A Coisa’ criou ‘L´amu tuju L´amu’, abordando com seu humor irônico e mordaz os costumes e comportamentos populares. O artista costumava dizer que o bom cartum “é o que sai no estalo”. Por isso, quando alguém lhe sugeria um tema para uma charge, nunca dizia não, mas jamais admitia utilizar a sua pena para ilustrar idéias de outros.
De 1976 a 1980 foi editor de arte da revista ‘Viver Bahia’ quando começou a fazer quadrinhos coloridos. Em 1981, passou a ser editor de arte da revista ‘Axé Bahia’ onde publicou os quadrinhos da sensual ‘Dora Mulata’.
Em 1994 no ‘Jornal da Pituba’ cria o quadrinho ‘Pituboião’, satirizando o dia a dia da comunidade. Criou ainda o ‘Cartunzão’, ‘Tudo Bem’, ‘Brega Brasil’ e ‘Ânsia de Amar’. Na série ‘Estorinha do Lage’ começou a publicar um herói espacial, sátira aos super-heróis e o irreverente papagaio ‘Put’.
Formado em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, o artista foi também funcionário, por muitos anos, da ‘TV Educativa’. Em 1989, foi ao ar na ‘Rádio Educadora – FM’ o especial ‘Lage, Cartunista Baiano’, onde as tiras diárias ‘Tudo Bem’ eram transportadas para a linguagem radiofônica.
O humor de Lage é engajado, militante sem ser partidário; contestador, essencial, puro, em estado bruto. Mesmo durante o regime militar – chegou a ser chamado várias vezes para depor – o cartunista conseguiu captar todo o momento histórico político vivenciado nacionalmente, mesmo sem nunca ter saído de Salvador.
Além de cartunista, era arquiteto e pintor bissexto. Lage foi um nome respeitado entre os cartunistas do país. Ao lado de cartunistas, escritores e ilustradores baianos como Nildão, Valtério e o mineiro-baiano Caó, criou o suplemento semanal ‘A Coisa’; o tablóide ‘Coisa Nostra’; a revista ‘Pau de Sebo’ e ilustrou para o escritor baiano Nivaldo Lariú, o ‘Dicionário de Baianês’.
O jornalista baiano Gutemberg, escreveu em seu blog:
“Se pensarmos na estética da fome glauberiana, que norteou boa parte da arte latino americana dos anos 1960 e 1970, veremos que os cartuns de Lage, e os quadrinhos de Henfil, por exemplo, estão para a cultura brasileira nos anos 1970 assim como o cinema do próprio Glauber Rocha esteve para a cultura brasileira dos anos 1960. O mesmo ímpeto revolucionário, a mesma ousadia política, a mesma brasilidade guerreira”.
Em 1997, Lage foi eleito o melhor cartunista do Brasil pelo ‘Troféu HQ Mix’. O cartunista, após sua morte, em 2006, foi homenageado pelo designer e amigo Nildão na obra ‘Lage – 40 Anos de Humor’, livro que traz em suas 144 páginas cerca de 200 trabalhos do cartunista que, durante 37 anos, publicou charges, tiras e cartuns no jornal ‘Tribuna da Bahia’.
Aos 60 anos de idade, Lage que construiu uma carreira de mais de 30 anos na imprensa baiana, e sofria de câncer no cérebro morreu na manhã do dia 29 de novembro de 2006. O cartunista era casado com Martha e pai de Daniel.
Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.