A Universidade Cândido Mendes é uma das mais tradicionais entidades de ensino do país e do Rio de Janeiro, tendo recentemente completado 120 anos. Conhecida principalmente por seus campi na rua da Assembléia, no Centro, e pelo de Ipanema, a faculdade é uma das mais tradicionais nos meios jurídicos, e se encontra em processo de recuperação judicial, que corre na 5a. Vara Empresarial do Rio de Janeiro, sob a batuta da juíza Maria da Penha Nobre Mauro. O processo iniciou-se em 2020. Uma recuperação judicial é uma espécie de processo em que se dá a chance de uma empresa em dificuldades salvar-se, seguindo um plano de recuperação em que exista consenso entre os credores, a empresa devedora e o judiciário. A UCAM tem, hoje, 11.543 alunos.
No decorrer do processo, a juíza decidiu ouvir propostas de pessoas que poderiam estar interessadas na aquisição da universidade, caso esta não se conseguisse reerguer financeiramente, como, a princípio, seria natural. Foi assim que em 15 de junho a Sociedade Educativa do Brasil Ltda – SOEBRAS submeteu uma proposta de aquisição da afamada universidade da família Mendes de Almeida ao juízo. Na proposta, seu representante, Ruy Adriano Borges Muniz – ex-prefeito de Montes Claros/MG e ex-deputado estadual – mencionou ter interesse na aquisição da universidade, que teria, em ativos – que incluiriam imóveis e obras de arte – o valor de R$ 518.243.843,70. Ainda segundo a proposta, à qual tivemos acesso, a reconhece um passivo de R$ 226.241.875,05 junto a credores e R$ 388.434.435,79 em impostos federais e declara que a SOEBRAS tem “plena condição de assumir tais encargos e obrigações” e se oferece para substituir a família proprietária no quadro de mantenedoras da instituição, mediante a antecipação de 12,5% “já nos primeiros 12 meses” a contar de seu ingresso na operação da Cândido. A SOEBRAS é a mesma instituição que assumiu a Universidade Santa Úrsula, em Botafogo.
Em decisão de 12/08 agora, a juíza decidiu publicar um edital buscando outras propostas, em 10 dias, para a aquisição da universidade, protegendo a proposta da SOEBRAS: “asseguro à SOEBRAS a preferência na aquisição do negócio” e disse que o benefício à empresa de Ruy Muniz é merecido, pois “a referida proponente confiou no Edital do Juízo e de boa fé abriu sua proposta“. Ou seja, se não aparecer outra proposta, a magistrada avalia entregar a Cândido Mendes, seus alunos, e seu corpo docente ao grupo de Ruy Muniz.
Os personagens desta história
Ruy Adriano Borges Muniz começou sua vida pública em 1987, quando lançou-se candidato a deputado estadual, por Minas Gerais, e no ano seguinte ficou conhecido por um famoso roubo ao Banco do Brasil junto com um funcionário da instituição, Setembrino Lopes. Segundo o jornal mineiro O Tempo, ambos arquitetaram um golpe que resultou no desfalque de R$1 milhão de reais, em valores de 2008, dos cofres públicos. Ele ficou pouco mais de um ano preso no DOPS e depois de cumprir pena, retornou a Montes Claros. Na ocasião, o deputado teria explicado que sua ação teria sido “em favor da resistência à ditadura militar”, que acabou em 1985.
Em 1997 integrou-se à direção da Soebras – Associação Educativa do Brasil. Posteriormente, em 2008, foi investigado pela Polícia Federal, acusado de desviar 100 milhões de reais em suposto esquema da Soebras com possíveis ramificações em 22 estados. Muniz teria utilizado a entidade, dirigida por ele e seus familiares, para desviar recursos públicos, fraudar licitações e cometer crimes.
Em 2004 voltou à militância política e foi eleito vereador na cidade de Montes Claros com 4.026 votos. E em 2006 foi candidato a deputado Estadual e venceu as eleições com quase 50 mil votos em várias cidades do Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha. Em 2007 assumiu uma cadeira no Legislativo Mineiro. Em 2008 candidatou-se a prefeito de Montes Claros e obteve 36 mil votos.
Em 2009 foi eleito líder dos Democratas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e presidente da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia e Informática. Em 2010 candidatou-se a deputado federal pelo Democratas, obtendo aproximadamente 53 mil votos e ficando na quarta suplência do partido, no ano em que concluiu o mandato de deputado estadual.
Em 2012 deixou o Democratas e filiou-se ao partido o qual é o presidente regional, o PRB. E neste mesmo ano, seus negócios encontraram o caminho do Rio de Janeiro, pois em 2012 ele passou a ser o controlador da tradicional Universidade Santa Úrsula, que estava fechada por problemas financeiros, assumindo as dívidas da instituição e prometendo recuperar a universidade em tempo hábil. Por causa desta mesma Universidade, em 2013 foi indiciado pela CPI das Universidades Privadas no Rio de Janeiro, junto com outros 5 proprietários de Universidades, acusados de aumento abusivo nas mensalidades, atraso de salário de professores e suposta venda de diplomas. eleitorais. Segundo o G1, ele chegou a ter seus bens indisponíveis, como resultado de uma ação do Ministério Público Federal, em 2016. Segundo o MPF, uma investigação revelara que o casal seria o real administrador do grupo Soebras, mas não se configurariam como gestores em nenhum contrato social. “Eles utilizam as receitas dessas instituições – que, por lei, não poderiam distribuir lucros – para benefício próprio e de sua família”, disse ao G1 o MPF, na ocasião.
Em 2015 foi acusado, junto com sua esposa – a deputada federal Raquel Muniz, de improbridade administrativa, por supostamente usar os cargos em função de interesses privados para tentar liberar equipamentos apreendidos no porto de Santos que teriam sido importados irregularmente pela Soebras.[7] Também teriam tentado substituir o delegado da Receita Federal em Montes Claros, que se negava a liberar o material.
Agora, em 2022, Ruy teve novamente problemas com a Justiça. O investidor e administrador da Universidade Santa Ursula, está sendo acusado de dever mais de R$7 milhões em aluguéis de imóveis locados em Minas Gerais à outra de suas controladas, a empresa Centro Brasileiro de Educação e Cultura Ltda, gestora da faculdade Finom. Ruy é filiado ao PSD, partido do prefeito Eduardo Paes, e é controlador do jornal mineiro Hoje em Dia.
A magistrada responsável pelo caso, a juíza Maria da Penha Nobre Mauro, esteve sob investigação do Ministério Público do Estado por supostos atos de peculato, lavagem de dinheiro, crime contra o sistema financeiro e organização criminosa, segundo informações do UOL. Tudo isto no mesmo ano em que se iniciou a recuperação judicial da Cândido Mendes. Ainda segundo o portal de notícias paulista, a magistrada autorizaria irregularidades e receberia contrapartidas por empresas de sua família. A investigação iniciou-se na corregedoria geral do TJ do Rio, com base num relatório do antigo Coaf (hoje Unidade de Inteligência Financeira); o órgão teria identificado “movimentações atípicas” nas contas correntes de diversos parentes da juíza.
Segundo estas investigações, ela teria usado contas de parentes e empresas de familiares para esconder recursos que teriam sido desviados de empresas que estariam passando por falências no Estado do Rio. Este suposto esquema se utilizaria, segundo a investigação, da relação entre a juíza e os administradores por ela nomeados. Além de receber honorários que seriam maiores do que os estabelecidos por lei, estes administradores conseguiriam desviar os ativos das empresas, segundo informações obtidas na ocasião pelo UOL. A investigação teria concluído que valores relevantes voltariam para contas de parentes ou empresas ligadas à magistrada sob cujo controle está a recuperação judicial da Cândido Mendes. A investigação teria averiguado que os peritos dos casos chegariam a emitir pareceres falsos para embasar a liberação de recursos de forma escusa. O relatório da Corregedoria chega a citar nomes de parentes da juíza que participariam do esquema; estes nomes incluiriam seu pai, seu irmão, sua cunhada e seu primo. Apesar de tudo isto, um outro processo contra Maria da Penha e seus parentes, no Conselho Nacional de Justiça, foi suspenso em 22/10/2020.
A ‘boa fé’ da Soebras
Segundo reportagem da revista Veja de 2017, um repasse de 45 milhões de reais do Fundo público FNDE para a Soebras teria sido desbloqueado de forma fraudulenta, após ser bloqueado em razão da descoberta de fraudes fiscais e desvio de recursos públicos pela possível nova controladora da Cândido Mendes. Ainda segundo a revista semanal, a empresa que tem a preferência da juíza Maria da Penha sofreu intervenção judicial em dezembro de 2016, depois de o Ministério Público Federal descobrir que o grupo dos Muniz, dono de mais de 100 instituições de ensino e com um imenso faturamento na casa das centenas de milhões estava inteiramente declarado em nome de interpostas pessoas, os chamados laranjas. O presidente da instituição na ocasião residia em um bairro pobre de Montes Claros. Ainda segundo o MPF à época, as empresas conectadas à Soebras movimentaram 2,27 bilhões de reais entre 20212 e 2016 e tinham seu lucro transferido aos Muniz, de forma indireta, através de empresas deles. Esta movimentação seria considerada criminosa por conta da Soebras gozar de status de “entidade beneficente de assistência social“, ou seja, possui isenção fiscal. Segundo a Receita informou à Veja, o escândalo teria fraudado mais de 300 milhões de reais.
A Cândido Mendes
Segundo o site da faculdade, a Universidade Candido Mendes tem como mantenedora a Sociedade Brasileira de Instrução, que é a mais antiga instituição particular de ensino superior do país, fundada em 1902 pelo Conde Cândido Mendes de Almeida, juntamente com a Academia de Comércio do Rio de Janeiro. Em 1919, foi criada a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro, a primeira escola superior de Economia do Brasil.
A Academia transforma-se, nos anos 50, na Escola Técnica de Comércio Candido Mendes, dedicada exclusivamente ao ensino médio. Na mesma década, Candido Mendes de Almeida Junior cria a Faculdade de Direito Candido Mendes, sediada no Convento do Carmo, na Praça XV de Novembro, instaurando um padrão de excelência na área das ciências jurídicas e sendo precursora no ensino da prática forense. Hoje, este convento é o Centro Cultural da Procuradoria Geral do Estado, tendo sido totalmente reformado.
Nos anos 60, seu recém-falecido reitor, o acadêmico Candido Mendes, inaugurou o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, dedicado à pós-graduação stricto sensu, com mestrado e, posteriormente, doutorado em Ciência Política e Sociologia.