O anticristianismo não é novidade no mundo. Desde os primórdios do cristianismo cristãos de todas as idades e classes sociais foram perseguidos em qualquer parte do mundo onde se fazia presente. Sabemos muito bem que os três primeiros séculos da Igreja foram de dura perseguição até o Édito de Milão do Imperador Constantino, que em 314 concedeu a paz e liberdade de culto aos cristãos em todo o império romano. Mas, foi justamente neste período de forte perseguição que o cristianismo cresceu exponencialmente com conversões espontâneas despertadas a partir da pregação da Palavra, do anúncio do Reino e do testemunho dos mártires. Entretanto, este anticristianismo retorna com grande força como movimento político e filosófico com o advento da Modernidade, pra ser mais exato, a partir do cogito ego sum (penso, logo existo) de René Descartes (séc. XVII), dando aí partida a um avassalador processo de secularização da sociedade, que atingirá seu auge no Iluminismo, corrente cultural que declarava trazer as “luzes” àquilo que chamava de obscurantismo das ideias, grandemente causado pela religião, segundo seus principais defensores, como o já citado Descartes, mas ainda John Locke, Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau e Voltaire.
Tal processo de secularização tem sido interpretado de maneiras diversas ao longo da história moderna: como crítica da religião, campanha ateísta, anticristã, anticlerical, descrédito das instituições religiosas, enfim… tudo de modo a diminuir a influência da religião sobre a sociedade como um todo e sobre a própria consciência dos indivíduos. Neste sentido, mais que uma emancipação da sociedade em relação à doutrina cristã, trata-se de uma emancipação mesmo existencial, visto que religião é não somente um conjunto de doutrinas e ritos, mas realidade que confere sentido à vida, cumprindo sua missão de elevar o espírito a Deus e ressignificar relações e a própria existência.
Entretanto, na contemporaneidade percebemos uma grande busca pelo sagrado, o que tem proporcionado novas formas de religiosidade. Significaria isto uma falência do processo de secularização que chega ao século XXI desgastado e enfraquecido? Ou seria uma espécie de revanchismo da religião ou do sagrado, que ressurgem com força renovada após o vazio causado e deixado pelo secularismo, haja vista que ele levou o ser humano ao vazio e nada propôs para preencher o espaço por ele deixado? As respostas a estes questionamentos devem também elucidar o porquê do ressurgimento de movimentos políticos conservadores e de direita que oportunistamente surfam nesta onda de religiosidade e sacralidade.
Antes de respondermos a estas questões, há que se admitir o fato de que o processo de secularização provocou uma profunda transformação da cultura, de maneira que a sociedade em que vivemos deve ser reconhecida sim como sociedade secularizada, o que não implica necessariamente no fim da religião, mas a sua reconfiguração no tecido social e na vida das pessoas, ou seja, o espaço que ela passa a ocupar nesta era secular. Até mesmo porque o secularismo, em si, em nada deve se opor à religiosidade, antes deve ser a plataforma segura e garantidora de liberdade para que todas as religiosidades ou expressões religiosas possam ter autonomia de direito e os crentes possam se expressar livremente, cada um e coletivamente a partir do princípio de identidade religiosa.
Ocorre que esta compreensão não é a mesma de grupos e de ideologias radicais, na sua maioria de esquerda e de viés comunista ou socialista, – mas também verificável entre capitalistas e movimentos de extrema direita – que não toleram a presença cristã na sociedade, considerando-a nociva, homogeneizadora e constrangedora para mulheres, homossexuais e não cristãos. Mentira do Diabo! Para o cristianismo, depois da Santíssima Trindade, em lugar de honra e distinção, vem uma mulher, mãe e esposa, a Virgem Maria, referência para homens e mulheres; para o mesmo cristianismo, os bons cristãos devem a todos amar e acolher, pois Deus mesmo não faz acepção de pessoas, de modo que todos, independentemente de condição sexual, ou quaisquer outras condições que sejam, devem ser amados e acolhidos, assim como Cristo faz com cada um de nós.
Aqueles que não toleram a presença de Cristo, seus sinais e seus símbolos na sociedade procuram evocar os erros do pessoal da Igreja para desacreditar a pessoa da Igreja, maliciosamente confundindo o pessoal com o institucional. É evidente que o institucional se serve de pessoas para atuar. No entanto, não é justo condenar todo o Corpo da Igreja por causa do pecado de alguns membros, quando a própria Cabeça (Cristo) é santa e infalível. Em tempos de tantos sentimentos, posturas e atitudes concretas de intolerância e hostilidade, muitas vezes traduzidas como homofobia, xenofobia, misoginia e até gordofobia, há que se admitir uma certa cristofobia, em que a situação já não mais se restringe a mera aversão ao cristianismo, mas à perseguição mesmo de seus adeptos. Se há tão pouco tempo atrás a questão era restrita aos símbolos religiosos em lugares públicos, porque o Estado é laico, agora as atitudes são de real perseguição. Observemos as igrejas queimadas no Chile e no Canadá; a Basílica de Santa Sofia em Istambul transformada em mesquita, os atentados na França ocorridos em uma basílica da cidade de Nice com 3 mortos, dentre eles uma brasileira, o atentado com dois tiros a um padre ortodoxo, também na França; todos estes fatos ocorridos nos últimos dois anos, mas a eles somados a recente expulsão de padres, bispos e freiras da Nicaraguá. Isto sem falar na militância de muitos do meio jurídico, que por interpretações viciadas da lei, procuram cercear o direito cidadão de livre expressão pública de culto, de propagação e apologia da doutrina cristã através da evangelização das comunidades, sobretudo, as indígenas.
O que temos afirmado até aqui não se trata de vitimização de uma religião que deixou de ser hegemônica quando já não mais existe o que chamávamos de cristandade, mas constatação de uma dura realidade que tem tornado a vida dos cristãos cada vez mais difícil e desafiadora; mais ainda a vida dos católicos, dada a sua fidelidade à radicalidade do evangelho de Jesus Cristo, que não comporta tergiversações e nem conformações ao mundo. Contudo, a Igreja Católica é a Igreja dos mártires, dos perseguidos. E é exatamente aí que consiste uma das maiores bem-aventuranças dos seguidores de Jesus: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5, 12a).
Que estes tempos sofridos de cristofobia sejam tempos de purificação e tão fecundos para a Igreja de Cristo como foram os três primeiros séculos de perseguição aos cristãos.
Pe. Valtemario S. Frazão Jr.
Pároco da Basílica N.S. de Lourdes
Como enxergar a vitimização numa instituição secular, talvez a que tenha mais se utilizado do adjetivo “resistência”? A fé em Cristo, esta sim, teima em resistir desde a perseguição de judeus e romanos no alvorecer da fé até os dias de hoje, apanhando dos que dizer ter excesso ou falta de Deus? Acredito que o maior inimigo da fé em todos os tempos é a má informação, a adulteração da história e o uso do conhecimento para destruir e não para curar. Esta deveria ser a grande guerra da humanidade, a das consciências.