Roberto Anderson: Gal

Gal então sentava próxima à beira do palco, pegava o violão e cantava minha honey baby, de Vapor Barato. Afastava a saia, o violão entre as pernas, que se entreabriam languidamente no ritmo da música

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp

Início dos anos 70, ditadura militar no Brasil. Em casa se falava de política, se criticava acidamente os milicos, mas todos sabíamos que o exercício dessa liberdade cessava da porta de casa pra fora. Nas ruas, todo cuidado era pouco. Os jovens, éramos submetidos a revistas policiais inesperadas. Como ainda se faz nas favelas. O procedimento adequado era não contestar, obedecer às ordens de mostrar documentos e não se mexer ao ser apalpado de cima a baixo. De vez em quando, éramos enfiados num camburão, sem muita explicação. 

Nesse ambiente opressor, revolucionário era ter opiniões contrárias a tudo que ali estava, mesmo que não fosse possível externá-las. E saborear intensamente a alegria de estar vivo. Ir à praia encontrar amigos que sempre estariam lá pelas dunas do píer. Rir, falar de cinema, experimentar drogas, dançar a noite toda nas festas, cujos endereços caiam nas mãos, sem que soubéssemos quem eram os donos das casas.

Em tal roteiro de vida, fazia parte assistir o show da Gal no Teresa Raquel. Era um dos momentos em que todas aquelas sensações se concentravam na sua figura sensual. Uma grande flor nos cabelos, uma saia colorida e rodada, um top bordado e o umbigo de fora, Gal era fatal. Corria pelo palco, dava pulinhos e cantava músicas de um Brasil que pouco conhecíamos, mescladas àqueles sucessos de Caetano e Gil. 

Gal então sentava próxima à beira do palco, pegava o violão e cantava minha honey baby, de Vapor Barato. Afastava a saia, o violão entre as pernas, que se entreabriam languidamente no ritmo da música. E nós, o seu público, mas também seus companheiros de viagem, embarcávamos no sonho. No sonho de que a felicidade existia, de que a nossa juventude era pra sempre, de que a liberdade existia.

Gal era a baiana que não havia sido expulsa do país pelos militares e que sobrevivia conosco àquele ambiente sufocante. Meio ingênua, meio malandra, usava a sua voz, o seu jeito de ser e a sua arte para nos falar da beleza e do tesão de existir. Gal foi a mulher da nossa jovem vida. Obrigado. 

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp Roberto Anderson: Gal
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

1 COMENTÁRIO

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui