Desde o título do livro, a professora e pesquisadora Giovana Xavier já diz a que veio: Você pode substituir Mulheres Negras como objeto de estudo por Mulheres Negras contando sua própria história (2019, ed. Malê). Um nome grande para um assunto de importância ainda maior.
A obra reúne textos escritos por Giovana entre 2015 e 2019. O tema principal, como o próprio título mostra, é o silenciamento das intelectuais negras, que têm suas pesquisas relacionadas às questões da negritude desvalorizadas no meio acadêmico, enquanto pesquisadores brancos têm seus trabalhos enaltecidos. A justificativa é de que a ciência pressupõe uma suposta “neutralidade” ou distância entre sujeito e objeto. Em função desta mentalidade, a história dos negros e negras foi, por muito tempo, contada apenas por homens brancos.
“(…) em um país de maioria de mulheres e negros as formas de produção do conhecimento em espaços de poder continuam baseadas na lógica conhecimento branco versus experiência negra. Uma forma perversa de hierarquizar sujeitos e saberes. Como afirma Grada Kilomba: ‘não estamos lidando com uma ‘coexistência pacífica de palavras’ mas com uma hierarquia violenta, que define quem pode falar e quem pode produzir conhecimentos’”.
O livro traz questões essenciais relacionadas às desigualdades de gênero, raça e classe no Brasil. Giovana destaca a importância das políticas públicas para que cada vez mais pessoas negras – historicamente silenciadas – tenham acesso à universidade e possam, assim, contar suas próprias histórias. A autora defende uma “ciência na primeira pessoa” e cita outra ilustre pesquisadora negra, a escritora Conceição Evaristo, que “chama essa relação entre subjetivo e objetivo de ‘escrevivência’. Isto é, o texto que você escreve carrega necessariamente quem você é, ensina a mestra.”
Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Giovana Xavier fundou em 2014 o Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras, no qual ela e as alunas leem e discutem a produção intelectual de mulheres negras. Para além dos estudos e do conhecimento destas obras, o grupo busca trazer para as alunas o entendimento de que elas também são intelectuais, pois muitas não se sentem pertencentes ao espaço da universidade, em função da histórica mentalidade escravagista que diz que cada um tem o seu lugar – e o de mulheres negras não é na universidade. Giovana aponta o que o filósofo estadunidense Cornel West denominou “dilema do intelectual negro”:
“Esse dilema é caracterizado por uma série de inquietações que vão desde a dificuldade que pessoas, em especial mulheres negras, possuem de valorizar seu trabalho mental como relevante. Esse bloqueio é consequência direta da memória da escravidão, já que em todos os espaços somos, em algum momento, enxergadas pelas vias da erotização, sexualização e objetificação.”
Giovana Xavier costuma dizer que é “muitas versões em uma só”. Professora, pesquisadora, escritora, mãe, surfista e dançarina são algumas das palavras que podem ser associadas a ela. Logo no início do livro, a autora diz que, ao ser convidada para escrever para um jornal, não quis ficar restrita a falar sobre racismo e que, ao aceitar o convite, teve início um dos seus maiores desafios: “Escrever sobre tudo sem deixar de ser eu mesma.” E são os múltiplos “eus” de Giovana que aparecem em seus artigos. Ela escreve em primeira pessoa e não teria como ser diferente.
A trajetória de sucesso de Giovana Xavier é um importante incentivo para que cada vez mais mulheres negras compreendam o seu próprio valor intelectual. E para que todos entendam que lugar de mulher negra é, sim, na universidade – e onde mais ela quiser.