William Bittar – Sobre a Igreja de São Pedro Apóstolo do Encantado: uma edificação comunal

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre a igreja de São Pedro Apóstolo do Encantado

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A igreja de São Pedro Apóstolo do Encantado, localizada à Rua Guilhermina, 305, foi tombada pelo Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro em 12 de março de 1996, principalmente pela sua importância cultural para os paroquianos, responsáveis diretos pela sua construção desde a primeira década do século XX.

Originalmente, toda aquela vasta região integrava a Paróquia de São Tiago de Inhaúma, com ocupação rarefeita, o conhecido sertão carioca, que foi gradativamente ocupado principalmente após a inauguração da ferrovia, em 1854, com suas muitas estações suburbanas.

Durante uma pesquisa realizada por alunos do Curso de Arquitetura da Universidade Gama Filho, com nossa participação direta, foi possível recolher depoimentos e documentos de antigos moradores para produção de um inventário arquitetônico e estudos preliminares para uma proposta de intervenção, em 1999, considerando o péssimo estado da edificação, em colaboração com a Câmara Comunitária, a Arquidiocese do Rio de Janeiro e participação direta do pároco local, padre José Maria.

Parte deste material que produzimos está disponível em https://saopedroapostolo.wordpress.com/historia/

Durante as entrevistas, identificamos que a primeira casa da região foi construída à Rua Bento Gonçalves, em 1908. Três anos depois houve a doação de dois lotes à Rua Guilhermina, onde foi implantada a capela original, vinculada à paróquia da Conceição e São José do Engenho de Dentro, criada em 1915.

Através da influência do Cônego Lira e importantes famílias da região, foram realizadas diversas obras no edifício primitivo a partir da década de 1920. Com o crescimento populacional local, em 19 de março de 1934, o Cardeal Arcebispo D. Sebastião Leme criou a Paróquia de São Pedro Apóstolo do Encantado e designou o Padre Ariovaldo Luiz de Oliveira como primeiro pároco para atender àquela região.

Tornava-se necessário realizar reformas e ampliações da igreja, inclusive com a confecção de uma maquete que apresentava a concepção neogótica simplificada e uma torre sineira sobre uma portada com influência neocolonial, arrematada por volutas.

Através de campanhas de arrecadação de fundos e participação direta da comunidade, em fevereiro de 1941 as obras foram concluídas.

A pequena ermida apresentava referências a capelas medievais, partido comum em igrejas construídas entre o final do século XIX e início do XX, presentes em toda a cidade. A fachada principal era revestida de pó-de-pedra, material muito utilizado na ocasião, principalmente em edificações art-déco. Vitrais coloridos, oferecidos pela comunidade, iluminavam o interior.

No eixo do edifício ergue-se uma torre sineira única, com coroamento piramidal, sob a qual está um nicho com a imagem do orago, São Pedro, provavelmente do templo primitivo, conforme depoimento de antigos moradores. 

Internamente, contava com pequena nave única, coro sobre o acesso principal e uma capela mor, espaço suficiente para atender à vizinhança paroquiana, realizando casamentos, batizados, comunhões, crismas e todos os atos litúrgicos, até seu fechamento, no final do século XX.

Duas décadas depois da inauguração, a comunidade reclamava junto ao pároco sobre as pequenas dimensões do templo, iniciando uma campanha para construção de uma igreja nova na rua General Clarindo, na lateral da antiga capela.

Por algum tempo, as atividades litúrgicas funcionavam em ambos os templos, alternadamente, mas era visível o abandono intencional da capela original, praticamente obrigando a transferência para o edifício vizinho, maior e mais moderno, o que ocorreu em 1990.

O informativo O Nosso Bairro, de julho de 1998, assim noticiava a festa do padroeiro, justificando a mudança de endereço: “Durante os festejos da semana comemorativa do dia de São Pedro, o número de fiéis que participou das missas na nova igreja ultrapassou as previsões mais otimistas atingindo cerca de seis mil fiéis no salão do piso superior.  Isto sem contar o pessoal que ficou no andar térreo, participando da festa e do lado de fora da igreja. Não dá para imaginar toda essa gente na capelinha da rua Guilhermina.”

Em 1997 houve a inauguração da Linha Amarela, aumentando significativamente o trânsito no logradouro. O Cônego José Maria, responsável pela paróquia na ocasião, nos revelou que esse movimento acelerou o processo de degradação da antiga igreja, mesmo fechada.  Era possível sentir as vibrações contínuas no templo, provocando danos no revestimento das fachadas, gerando trincas e rachaduras.

Sem recursos para providências efetivas, após fortes chuvas o telhado desabou e algum tempo depois a parede lateral esquerda ruiu, restando apenas a capela-mor, seriamente danificada e a torre sineira, construída de concreto armado, assim permanecendo por muitos anos.

Castelo em frente a igreja

Descrição gerada automaticamente

Interior da Igreja, após ruína da cobertura

Acervo Particular / UGF

Mais de duas décadas após o encaminhamento de nossa proposta de intervenção, o Diário do Rio, em matéria de Larissa Ventura de junho de 2021, noticiou que foram iniciadas as obras da primeira fase da restauração, que busca proteger a estrutura, consolidando as paredes e a torre da capela, e construir o telhado.

Em 20 de março último, este Diário informou em matéria de Quintino Gomes Freire que uma comissão de Patrimônio da Arquidiocese está desenvolvendo um projeto dedicado à restauração de igrejas da cidade, com participação de empresas privadas, num processo de revitalização.

Esperemos que a iniciativa progrida de forma abrangente, atendendo a outros templos que representam a cultura de várias regiões da cidade, independentemente de seu tombamento ou antiguidade, mas com valor de memória para construção diária de cidadania.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

1 COMENTÁRIO

  1. Que ótimo, desde minha tenra infância eu caminhava por essa igreja, cheguei a entrar várias vezes até que fechou. Nossos prédios históricos e antigos, casarios merecem ser resguardados para não viramos uma SP da vida, que não tem mais nada de histórico preservado, se tornando um amontoado de prédios sem vida, uma selva de pedra cinza.

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