Terra extremamente musical, o Rio de Janeiro já foi chamado de “Cidade dos Pianos”. O apelido se deu por conta da grande quantidade desses instrumentos e pelas muitas possibilidades sonoras que nasceram por aqui nas teclas pretas e brancas.
Desde a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, o piano passou a ser um símbolo de status. Além disso, os recém-chegados da Europa usavam o instrumento para ouvir as músicas tocadas no Velho Continente.
Foto: A Princesa Isabel ao piano e uma representação de um Sarau Imperial
Relatos de Vincenzo Cernicchiaro em sua “Storia Delia Musica Nel Brasile”, dão conta de que, já em 1810, o Brasil ganhava sua primeira fábrica de pianos, que ficava em Pernambuco. O mais provável é que tal oficina teve origem na curiosidade de algum afinador, que, solicitado para reparar ou afinar pianos europeus, se especializou e teve a ideia de ganhar dinheiro com a montagem de outros, aproveitando peças.
O dinamarquês Falckenberg foi o responsável pelo primeiro piano fabricado no Brasil, em 1834. A partir da segunda metade do século XIX, o instrumento virou item de consumo indispensável a quem quisesse ser (ou parecer) rico no Rio de Janeiro.
“Mas foi somente depois de 1850 que o piano assumiu papel de destaque na vida musical brasileira. A chegada ao Rio de Janeiro de Sigismond Thalberg, o célebre pianista e grande rival de Liszt, em 1855, marca o primeiro contato do público daquela cidade com um pianista de renome internacional que, durante sua permanência de seis meses, deu inúmeros concertos e deixou alguns discípulos, além de uma impressão indelével junto aos círculos musicais e culturais do Brasil. Citando um cronista daquela época, Andrade, observa que, já em 1856, o Rio se tornara ‘a cidade dos pianos'”, informa o site A Música do Seu Jeito.
Por muito tempo o instrumento esteve em sintonia com as classes econômicas mais abastardas. Contudo, através de músicos brasileiros e suas arte e criatividade, a pauta virou um pouco.
“A partir desta época, a despeito da grande influência do romantismo musical europeu e das danças importadas em grande parte também da Europa, é possível detectar o início de um processo de mistura dessas músicas com gêneros musicais já consolidados no Brasil, o que acabaria por produzir, no decorrer dos últimos anos do século, uma identidade musical nitidamente brasileira. Entretanto pode-se constatar que este processo começa antes pela música de dança e do teatro de variedades do que pela música erudita. Como consequência da combinação e transformação de características rítmicas e de andamento da polca e da habanera , com aquelas do lundu e da modinha , surgiram novos tipos como o ‘maxixe’, – geralmente considerado como a primeira dança genuinamente brasileira, oriunda dos cabarés do bairro da Lapa, reduto da boemia carioca, em torno de 1875 – e o tango brasileiro, que passou por um desenvolvimento diferente daquele do tango argentino. Foi somente mais tarde, durante os últimos anos do século, que os compositores com formação acadêmica passaram a utilizar em suas obras temas e ritmos da música popular”, escreveu o pesquisador Luiz Paulo Sampaio na Revista Eletrônica de Musicologia.
Foto: Piano de Chiquinha Gonzaga restaurado em 2014. Acervo Chiquinha Gonzaga
A primeira geração de compositores com um estilo claramente nacional foi constituída por autores de música “ligeira”, de dança e de divertimento, destacando-se três personagens importantes que foram Joaquim Antonio Callado Jr. (1848-1880), Francisca Gonzaga (1847-1935) e Ernesto Nazareth (1863-1934). Todos ao piano.
Depois disso, o piano foi parar de vez na música popular. Virou instrumento de choro, gênero musical carioca.
“É conveniente fazer uma pequena digressão para falar do choro, expressão surgida no Rio durante a década de 1880, para designar os pequenos grupos de músicos amadores, compostos geralmente por modestos funcionários dos correios e das estradas de ferro. Como a palavra deriva do verbo chorar, alguns musicólogos acreditam que ela se origina do caráter melancólico e até mesmo lamentoso da música produzida por tais grupos. Os instrumentos utilizados pelos conjuntos originais eram os violões, as flautas e o cavaquinho (o pequeno bandolim de quatro cordas, de origem portuguesa que, na época, era chamado originalmente de machete, nome que Machado de Assis usou como título em um de seus contos em que menciona o instrumento), sendo que a obra de Joaquim Callado está intimamente associada à origem destes conjuntos. Pouco a pouco, no decorrer das décadas seguintes, outros instrumentos foram acrescidos à formação inicial que passou a contar, por exemplo, com clarinetas, trompetes, trombones, saxofones, inclusive também com o piano para as apresentações em salões e nos clubes musicais. O repertório, executado em um estilo que requer muita improvisação, consistia de polcas, valsas e outras músicas importadas, que, graças ao caráter improvisado das execuções, acabaram por adquirir uma feição própria, bem brasileira, engendrando gêneros locais que, no início do século XX, passaram a receber o nome genérico de ‘Choro’. Tal designação tornou-se tão popular que, no decorrer da década de 1920, até mesmo os tangos de Nazareth e as polcas de Chiquinha Gonzaga, passaram a ser classificadas como choros pelas editoras de música. Entretanto, como sugere Verzoni (2000:126), esse fato originou-se mais por táticas comerciais dos editores, visando a incrementar a venda de partituras e não serve como explicação convincente, do ponto de vista musicológico, quanto a eventuais transformações estilísticas importantes sofridas pela música. Em todo caso, a atitude das editoras musicais demonstra que existia um mercado significativo para partituras de piano. Isto indica claramente a popularidade do instrumento à época, quando era grande o número de pianistas amadores, situação que foi muito bem caracterizada por Mario de Andrade quando empregou o neologismo ‘pianolatria’ para definir a cultura musical de então no Brasil, ressaltando assim a predominância do interesse pelo piano”, detalhou o pesquisador Luiz Paulo.
O piano continuou e continua presente em nossa música. Na bossa nova, no som de Benito di Paula e em tantas outras manifestações sonoras que aconteceram no Rio de Janeiro, a cidade que foi dos pianos.