Neste mês de junho, as Câmaras Municipais das duas principais cidades do Brasil estiveram discutindo a revisão dos planos diretores das mesmas. Em São Paulo o plano foi aprovado, mas o pau quebrou, com intensa participação de setores contrários ao que o plano estabelece, dos grupos de pressão, dos políticos, tudo isso bem coberto pela imprensa, inclusive nos noticiários da TV aberta. O plano do Rio acaba de ser aprovado em primeira discussão, o que significa que os vereadores voltarão a votar mais uma vez. Mas sem muita discussão pela sociedade.
Um dos principais pontos de discórdia no Plano Diretor paulista é a ampliação do raio em torno das estações de metrô, onde é permitida uma forte verticalização das edificações. A justificativa é favorecer o adensamento junto aos principais eixos de transporte, aliviando a pressão sobre as áreas de preservação nas periferias da cidade, o que é correto. No entanto, nas áreas abrangidas pelos raios até então vigentes, no Plano Diretor anterior, o que tem ocorrido é a construção de pequenos estúdios com preços exorbitantes, somente acessíveis a compradores de alta renda. Além disso, apenas os bairros mais valorizados têm sido alvo desses projetos, que os desestruturam, ampliando a segregação espacial na cidade. Ou seja, as boas intenções falharam frente à lógica do mercado imobiliário.
No Rio, a discussão sobre o novo Plano Diretor, inicialmente, se deu entre técnicos da área de urbanismo da Prefeitura na administração Crivella. Depois prosseguiu na atual. Agora, caminha-se para a aprovação completa deste plano na Câmara, por uma maioria com a qual conta o Prefeito (todos os prefeitos sempre conseguem essas maiorias), pouco crítica e de pouca independência. Participação da população, a principal interessada? Quase nenhuma.
Da mesma forma, a Câmara carioca aprovou recentemente o projeto do Prefeito que permite, não só legalizar alterações fora das regras estabelecidas para as construções, como também legalizar irregularidades ainda na fase de projeto. Tudo isso mediante pagamento. É a lei dos puxadinhos, a mais valia, e a dos puxadinhos futuros, a mais valerá. Esta última é uma criação do ex-prefeito Crivella, alegremente adotada pelo atual. A população carioca discutiu? A imprensa repercutiu a contento? Novamente, a resposta é não.
Outro projeto de lei que está em discussão na Câmara de Vereadores do Rio é a revisão do projeto Reviver Centro, o Reviver 2, ou PLC 109/2023. Como as justificativas para as duas versões do projeto são corretas, ou seja, a necessidade de revitalizar o Centro, seriamente atingido em sua vitalidade após a pandemia, poucos se debruçam sobre as suas incoerências e distorções. Se o primeiro Reviver já oferecia vantagens às construtoras, como receber um adicional de 40% na possibilidade de construção em Ipanema, Copacabana, Tijuca e Zona Norte, caso as mesmas construíssem no Centro, o novo projeto oferece um adicional de 100% em toda a Zona Sul, na Barra, no Recreio e na Zona Norte. É o adensamento forçado de bairros, muitos deles já saturados, desrespeitando os planos locais.
O projeto não para por aí. É proposta a liberação total em altura para prédios entre o Castelo e a Candelária. Segundo o prefeito, isso é comparável ao que ocorre em certas partes de Nova Iorque. Será isso o que os cariocas desejam? Alguém discutiu isso seriamente? A paisagem cultural foi considerada? É bom lembrar que essa área já é medianamente verticalizada e conta com exemplares interessantes, como o Mayapan, o edifício “bolo de noiva”, que poderão ficar espremidos entre novos arranha-céus.
Toda essa legislação, e parâmetros edilícios, parece complicada, afastando o cidadão, que depois irá sofrer as consequências. Até hoje a paisagem carioca sofre os efeitos das alterações nos gabaritos permitidos para edificios na Zona Sul, promovidas pelo ex-prefeito Marcos Tamoio. São centenas de edificios mais altos do que seus vizinhos, com empenas cegas à mostra. Não gostamos quando vemos, mas não foi possível impedir à época que tais mudanças fossem realizadas. Por isso, é preciso discutir e destrinchar as alterações na legislação urbana quando propostas.
Recentemente, em Paris, o prefeito do Rio assumiu a co-presidência de uma Comissão que visa criar um novo organismo internacional de cidades com vistas ao desenvolvimento sustentável. Essa co-presidência se dá com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e com o economista Jeffrey Sachs, nomes bastante considerados no cenário internacional. Será que o prefeito carioca contou à sua congênere parisiense que na Cidade Maravilhosa irregularidades urbanísticas, as atuais e as futuras, são sanadas mediante pagamento? E que para convencer as construtoras a construírem no Centro, são sacrificados os parâmetros urbanísticos de outros bairros? E que Manhattan pode ser adotada como modelo para o Centro? É possível imaginar que reação a prefeita teria.