Antônio Sá: A Câmara Municipal do Rio de Janeiro será subserviente de novo ao prefeito?

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre inconstitucionalidade na delegação de poderes ao Executivo

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Câmara Municipal do Rio de Janeiro - Foto Cleomir Tavares/Diário do Rio

No Diário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, foi publicado,  no último dia 30 de junho, o Projeto de Lei – PL nº 2192/2023, que reduz para 2 % a alíquota do Imposto Sobre Serviços – ISS para os serviços de distribuição e venda de bilhetes ou pules de apostas, em modalidade desportiva, CONFORME DEFINIDO EM REGULAMENTO, exclusivamente na forma on-line.

Coloquei a expressão acima em caixa alta para a destacar, pois a delegação para o Prefeito de definição de que serviços, leia-se prestadores que os prestam, serão beneficiados, é, salvo melhor juízo, inconstitucional.

Não me parece que esse Projeto tenha passado pela Procuradoria-Geral do Município.

Ora, a lei que advirá desse Projeto, ao conferir autorização para que o Poder Executivo Municipal, mediante ato infralegal, defina que tipos de serviços (seus prestadores) de distribuição e venda de bilhetes ou pules de apostas, terão a alíquota reduzida, viola o princípio da legalidade e da tipicidade tributária.

A tributação deve estar estabelecida na Lei, com os elementos básicos para a sua instituição:  hipótese de incidência, sujeitos ativo e passivo (o prestador do serviço, no caso do ISS), base de cálculo e alíquota.

Os aspectos essenciais da norma jurídica tributária não podem ser delegados ao Poder Executivo.

Esse tipo de delegação viola, igualmente,  o Princípio da separação de Poderes, pois transfere ao Executivo a função de legislar, conferida ao Poder Legislativo.

Portanto, não é possível transferir ao Executivo o poder para dispor sobre aqueles elementos tributários, em particular, o sujeito passivo do tributo que será beneficiado com a redução da alíquota.

O respeito aos princípios da legalidade e da tipicidade tributária visa a coibir o uso de  instituto de desoneração tributária como moeda de barganha para a obtenção de vantagem pessoal pela autoridade pública, pois a fixação, pelo Poder Legislativo, em lei, dos requisitos objetivos, claros e transparentes para a concessão do benefício tende a mitigar o arbítrio do Chefe do Poder Executivo, garantindo que qualquer pessoa física ou jurídica enquadrada nas hipóteses legalmente previstas usufrua da benesse tributária, homenageando-se aos princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e da moralidade administrativas (art. 37, caput, da Constituição da República).

 Logo, a definição dos critérios para a concessão de redução de alíquota tributária, a serem definidos na forma prevista em regulamento”, como quer o senhor Prefeito, configura delegação ao Chefe do Poder Executivo em tema inafastável do Poder Legislativo.

Se esse Projeto de Lei for aprovado na forma apresentada pelo senhor Prefeito, teremos uma romaria de empresas interessadas na redução de alíquota sob análise, no Gabinete do Prefeito tentando o convencer para as incluir na “definição regulamentar” constante do Decreto que só passa pela decisão pessoal do Prefeito.

Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que o princípio da legalidade ou tipicidade tributária alcança as hipóteses de redução e extinção de tributos e isenção fiscal, restando incabível a delegação ao Poder Executivo para dispor sobre tais elementos tributários.

E a doutrina tributária também segue o mesmo caminho como se pode ver no excerto abaixo:

“O conteúdo do princípio da legalidade tributária vai além da simples autorização do Legislativo para que o Estado cobre tal ou qual tributo.

É mister que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. (…) Os critérios que definirão se “A” deve ou não contribuir, ou que montante estará obrigado a recolher, devem figurar na lei e não no juízo de conveniência ou oportunidade do administrador público.” (Luciano Amaro, “Direito Tributário Brasileiro”)

Dessa forma, é vedado ao legislador, sob o pretexto de definir os elementos da relação jurídica tributária, remeter a sua regulamentação a órgão público, como pretende o senhor Prefeito através do Projeto de Lei em apreço

Ah, e, antes que me perguntem porque coloquei a expressão “de novo” no título deste artigo, lembro que, nesta legislatura, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro – CMRJ, por duas vezes, pelo menos, apesar de minhas veementes críticas na época, já abriu mão de seu poder em termos de tributação e o passou para o senhor Prefeito.

E sempre é bom relembrar esses fatos para tentar se evitar que nossa Cidade os repita e se desmoralize.

Em ambos os casos, as leis foram sancionadas pelo Poder Executivo.

A CMRJ aprovou dispositivo inconstitucional da Lei Complementar – LC  n° 235/2021, de autoria do Poder Executivo, sobre o  Novo Regime Fiscal, que foi divulgado na época pelo governo como algo excepcional.

Naquele dispositivo, a CMRJ “delegou” inconstitucionalmente para o senhor Prefeito a decisão para ele aumentar ou não as alíquotas do ISS de diversos setores da economia carioca e a decisão de, sendo o caso, ele estabelecer o dia desse aumento. 

O Prefeito chegou até a editar um Decreto com base nessa “delegação” inconstitucional, aumentando aquelas alíquotas a partir de 1° de março de  2022.

Isso seria  um “presente” de amigo urso do Prefeito, no dia do aniversário de nossa Cidade, para o setor de serviços carioca, que muito contribui para nosso desenvolvimento. 

Felizmente, talvez percebendo ou alertado por diversas pessoas que esse aumento de alíquotas por Decreto seria facilmente derrubado na justiça, o Prefeito, poucos dias depois, revogou aquele Decreto que aumentava a tributação de diversos setores de nossa economia e editou um novo sem aquele aumento de alíquotas.

Só que essa “brincadeira” legislativa fez com que um famoso sítio que divulga legislação municipal informe até hoje erroneamente as alíquotas de ISS em nosso município com os valores maiores daquela LC e não com os valores corretos menores.

É um absurdo a confusão que a tal LC, que o atual governo dizia ser excepcional, causou e continua causando.

Também, a CMRJ aprovou e o Prefeito sancionou, talvez porque o autor era o líder do governo, os dispositivos inconstitucionais da Lei  nº 7.373/2022, que INSTITUI O PROGRAMA DE ECONOMIA CRIATIVA NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

Inclusive, segundo o autor do Projeto de Lei, o Poder Executivo foi consultado antes sobre o PL e só pediu uma emenda, que foi aprovada, que modificava a parte da composição de comitês criados pelo PL.

O Poder Executivo não se opôs, sabe-se lá porque, à possibilidade de ele mediante Decreto regulamentar incentivos fiscais de que tratava o PL, que poderiam, a critério do Chefe do Poder Executivo (ou seja por decisão e escolha de uma ÚNICA pessoa, o Prefeito), corresponder a isenção ou redução de alíquota do  ISS. Ou seja, até na determinação do que se refere ao tipo de benefício (isenção ou redução de alíquota) a CMRJ abriu mão de seu poder.

Novamente, felizmente, o Prefeito e a CMRJ acabaram percebendo o erro crasso e o líder do governo teve que apresentar um novo PL alterando o texto dos dispositivos criticados acima e determinando que o benefício fiscal só poderia ser concedido por lei e não mais por decreto do Prefeito.

Ou seja, a CMRJ e o Prefeito perderam tempo desnecessariamente tendo que aprovar uma nova lei corrigindo o erro da Lei anterior.

Considerando esses dois casos relatados acima fica no ar uma pergunta.

Será que a CMRJ, mais uma vez, vai se submeter ao Poder Executivo e vai abrir mão de seu poder tributário aprovando o texto original do PL nº 2192/2023?

Façam suas apostas.

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