Triste não é ao certo a palavra é o livro de estreia do autor carioca Gabriel Abreu, publicado em 2023 pela Companhia das Letras. A doença da mãe de Gabriel, precocemente diagnosticada com um tipo grave de demência, é o ponto de partida do romance. O personagem G. encontra uma caixa que contém dezenas de cartas, fotografias e um diário que sua mãe, M., escreveu na voz do filho, durante seu primeiro ano de vida. A partir destes elementos, G. inicia uma investigação para conhecer melhor da mãe, que perdeu a memória e não consegue mais se comunicar ou realizar as atividades básicas.
O livro é uma espécie de quebra-cabeças, no qual as pequenas peças que se unem para formar uma imagem de M. são as fotos, cartas, o diário encontrado, bulas de remédios, laudos de exames e detalhes do diagnóstico. G. também escreve uma carta para a mãe, na qual procura restabelecer uma relação entre os dois, compreender os próprios sentimentos e dar sentido ao seu luto:
“A resignação aos poucos se assenta e o que fica é a falta. Mantenho-me calado a maior parte do tempo. Vivo atrás da lente da melancolia. Sorrio quando devo, respondo, sigo em frente como todos, retribuo afetos, mas dentro estou em ruínas. A partir daí, triste já não é bem a palavra. (…) Triste não é mais um estado, uma qualidade própria, uma forma de ver o mundo. Triste é o pano de fundo.”
Triste não é ao certo a palavra é um romance ensaístico, em que as lacunas da realidade são preenchidas com a imaginação. O autor também apresenta, alternadamente à história, o seu processo de criação. Um exemplo é o capítulo em que expõe o projeto para o livro, com sugestão de organização, lista dos materiais de que dispõe e os objetivos do personagem.
Em seu romance de estreia, Gabriel Abreu empreende uma investigação não apenas acerca da vida de sua mãe, mas do próprio fazer da literatura, ao extrapolar a narrativa trazendo elementos variados para as páginas do livro. Nos últimos tempos, têm surgido diversas obras neste estilo, que tem muito de ensaio e experimentação, como Saia da frente do meu sol, de Felipe Charbel, ou A água é uma máquina do tempo, de Aline Motta, para citar apenas dois.
Ainda em busca de reconstruir a memória e a identidade de sua mãe, G. entra em contato com um dos interlocutores de M., remetente de algumas das cartas encontradas. Resolve também retornar à casa onde M. cresceu, no sul do país. Ao tentar compreender a mãe para além da doença e restituir sua voz perdida, G. investiga a própria existência. Triste não é ao certo a palavra é, como diz Aline Bei na orelha do livro, “uma estratégia lírica de tornar a mãe possível, continuamente.”
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Livro: Triste não é ao certo a palavra
Autor: Gabriel Abreu
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 208