Era uma noite chuvosa no Rio de Janeiro. Após ver a estreia mundial de “Othelo, o Grande”, saí do Estação Net Gávea rapidamente para acompanhar, a convite da Globoplay, o episódio inaugural da série “Resistência Negra”, na sexta-feira (13) do Festival do Rio 2023. Eram muitas ruas alagadas e a chuva caía forte, contudo, nada arrefeceria a potência que viria. Assim que cheguei, o povo se amontoava no tapete vermelho para se proteger dos incessantes pingos enquanto a recepção procurava os nomes nas listas de convidados. Dei a famosa carteirada e usei a credencial de imprensa do Festival para fugir da fila. O que eu queria mesmo era aproveitar para entrevistar alguns dos responsáveis pela série, e, claro, assistir.
A princípio, por trás dessa obra tem um nome de peso, o professor doutor babalaô Ivanir dos Santos. Conversei um pouco com ele.
“É mais um passo dado pela nossa comunidade, você tirar o movimento negro da subalternidade e da marginalidade como o Brasil compreende. Tão racista que tem uma inconpreensão do movimento negro brasileiro. E é um dos movimentos sociais centenários.”, me disse Ivanir.
Sessão de Gala
O primeiro episódio da série documental “Resistência Negra”, dirigida por Mayara Aguiar, foi exibido em uma Sessão de Gala. A série traça a história da luta negra no Brasil, porém, com foco na resistência política. Começa traçando as bases históricas que criaram o aquilombamento, construindo a base para o quatro episódios posteriores. Trabalho, política, cultura, religião e educação do ponto de vista negro são os principais temas abordados enquanto entendemos a história dos movimentos negros no país.
“É muito importante que a gente entenda sobre a nossa ancestralidade, sobre os personagens que fizeram a história, construíram e abriram espaço para a gente estar aqui hoje.”, me falou Larissa Luz, umas das vozes que conduzem a história da série, juntamente com Djonga.
Inicialmente, esse epísodio de abertura me lembrou bastante o documentário “Rio, Negro“. Também me veio a mente o ótimo filme “Corpos Invisíveis“, de Quézia Lopes. Esse último, porém, tem outro foco, nas mulheres negras e seus desafios, enquanto “Rio, Negro” é um filme que explora o impacto da comunidade de ascendência africana na construção da cidade do Rio de Janeiro e as significativas mudanças impulsionadas por ela. É uma valorização do que foi por muitos anos rechaçado e varrido para debaixo dos panos. É exatamente esse trabalho de resgate que “Resistência Negra” também faz, trazendo à tona uma vasta gama de informações úteis.
O que todos esses que citei tem em comum é serem afrocentrados, ou seja, a história dos negros pelos negros. Ivanir ainda brincou que “Resistência Negra” era uma mistura de “Faça a Coisa Certa (filme), do Spike Lee e fogo nos racistas com Buena Vista Social Club”. É uma forma inteligente e irreverente de resumir a mescla que a série propõe, e que aparece bem no primeiro episódio, entre a contemporaneidade e os intelectuais mais velhos que pontuam momentos históricos importantes.
Aliás, vale ressaltar que essa exibição da série aconteceu também em homenagem ao aniversário da criação do Teatro Experimental do Negro por Abdias Nascimento, em 13 de outubro. Ele que é um dos maiores baluartes da negritude no Brasil. Inclusive, algo que me chamou bastante atenção foi que, logo após a exibição do episódio, um excelente mini documentário revelou os bastidores do processo criativo que deu vida à abertura da série, mergulhando na obra de Abdias Nascimento e Emerson Rocha, que, na minha visão, abraçam o conceito de sankofa, conexão entre passado, presente e futuro. Eles mostraram como foi a criação dessa abertura, que é excepcionalmente linda, lúdica e encantadora, com muitas referências espirituais e ancestrais.
Afinal, a aguardada estreia de “Resistência Negra” será no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, no Globoplay. Vale conferir.