Roberto Anderson: Árvores, mais árvores

'Ao nos dirigirmos à Zona Norte e aos bairros interiores da Zona Oeste, a arborização urbana vai rareando, havendo diversas ruas em que não existe uma única árvore'

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Apesar dos negacionistas climáticos, a recente onda de calor pela qual passamos não deixa dúvidas: a crise climática, ou emergência climática, está aí. Segundo o Inpe, em 60 anos os dias com ondas de calor no Brasil pularam de sete para cinquenta e dois. Como o estudo cobriu o período 1961-2020, atualmente esses valores já podem ser maiores.

O calor excessivo maltrata e, como se viu no show da Taylor Swift, pode provocar mortes. Toda essa nova realidade traz enormes desafios, para os quais ainda não estamos preparados. A adaptação envolve desde buscar novas regras para eventos que produzam aglomerações a relocar moradias situadas em áreas sujeitas a inundações e ao avanço do mar.

Além da adaptação, serão também necessárias ações chamadas de mitigação. São aquelas que buscam reduzir as emissões dos gases de efeito estufa ou capturá-los. O plantio de árvores é uma ação duplamente benéfica, já que capta CO² da atmosfera e fornece sombra e umidade, ajudando a baixar localmente a temperatura. Nossas cidades precisam de mais parques, mais praças e mais ruas arborizadas. Arborizar intensamente as cidades é tarefa urgente!

No Rio de Janeiro, os bairros da Zona Sul e da área litorânea da Zona Oeste, apesar de sempre poderem melhorar, são razoavelmente arborizados. Certas ruas de Ipanema e Copacabana são cobertas por um dossel contínuo de árvores, uma coisa linda de se ver do alto. Mas, ao nos dirigirmos à Zona Norte e aos bairros interiores da Zona Oeste, a arborização urbana vai rareando, havendo diversas ruas em que não existe uma única árvore. Não à toa, são nesses bairros onde ocorrem as mais altas temperaturas. Segundo a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, a cidade tem um déficit de aproximadamente um milhão de árvores. Cordovil, Santa Cruz e Bangu seriam os bairros onde essa carência é mais aguda.

Se, no quesito arborização urbana, a situação da Cidade do Rio de Janeiro não é boa, quando se olha para a Baixada Fluminense ela é de deserto quase total. A Casa Fluminense divulgou o estudo Mapa da Desigualdade 2023 que traz as medições de áreas verdes por habitantes. Apesar de não ser igual ao índice de arborização urbana, tais informações dão pistas sobre a situação da mesma. São João de Meriti é o município em pior situação, com menos de um m² de área verde por habitante. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o índice mínimo seria de 36 m² por habitante. Nilópolis conta com apenas 1,29, Belford Roxo com 5,36 e Queimados com 19,36 m². Já a Cidade do Rio de Janeiro conta com 49,61 m², um índice alto, mas enganoso, por conter as áreas florestadas da cidade.

O primeiro plano diretor para a Cidade do Rio de Janeiro, realizado na década de 1920 pelo francês Alfred Agache, previa um sistema de parques para a Zona Norte. Em relação ao Patrimônio o plano seria desastroso, mas os diversos parques propostos teriam sido muito benéficos para aquela área. Sem o plano Agache, é preciso um plano que amplie drasticamente as áreas de parques nos bairros da cidade, especialmente naqueles mais quentes. Parques mais generosos do que o Parque de Madureira que, apesar de bem-vindo, é estreito, já que ocupa a antiga linha de transmissão da Light.

Atualmente, o processo de arborização das ruas da cidade ocorre de forma quase artesanal. Há empresas contratadas para fazer esse plantio, mas o ritmo não é o adequado a uma situação de emergência climática. Há a reposição, um pouco deficiente, das árvores que caem e há o plantio de novas mudas em espaços já disponíveis. No entanto, menos de 30 mudas são plantadas a cada dia. Se a cidade fosse bem arborizada, isso não seria um problema. Mas, no ritmo atual, ainda levaremos quase 150 anos para que, talvez, vejamos a cidade razoavelmente suprida de árvores. E ainda há que se lembrar que o crescimento das mudas é lento e o vandalismo é alto. Uma inflexão radical no ritmo de arborização da cidade se faz urgente.

A Prefeitura precisaria também exigir que novas edificações reservassem espaços nas calçadas para o plantio de árvores, já que a tendência geral é tudo pavimentar. E seria interessante considerar aspectos paisagísticos, como a formação de conjuntos arbóreos com forte expressividade. A predominância de certas espécies em algumas ruas, como os paus-ferros da avenida Pedro II ou a aleia de sapucaias da Quinta da Boa Vista, cria belos efeitos, reforça a identidade desses lugares e conquista a simpatia dos moradores.

Outro aspecto a ser considerado é a relação da arborização com monumentos e edifícios considerados Patrimônio. No Castelo, por exemplo, uma área densamente arborizada em frente à Igreja de Santa Luzia quase impede a sua visualização. Na Praça XV, junto ao Chafariz do Mestre Valentim, há alguns anos uma árvore tombou, danificando seriamente o mesmo. Pois outra árvore foi plantada no mesmo lugar, planejando-se o possível desastre de algumas décadas à frente. Até a República, a área do chafariz não era arborizada. Assim como não são desejáveis bancas de jornais na frente de bens tombados, não deve haver arborização que os esconda ou ameace.

Por fim, é bom lembrar que, se quisermos o bônus de pássaros na cidade, é preciso o plantio de acordo com as suas necessidades. Há pássaros que buscam sementes e outros que buscam frutos. A variabilidade das espécies a serem plantadas deve atender a isso: produção de sementes e de frutos. Queremos árvores, precisamos de mais árvores. Que venha o milhão de árvores que nos faltam!

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

6 COMENTÁRIOS

  1. Muitas são cortadas a olhos vistos; outras, mortas por anelamento. Ao longo de anos, reclamei frente à Prefeitura (1746), mas a resposta invariável é que, sem flagrante, nada podiam fazer. Uma vez me responderam que nem valia a pena ir ao local da denúncia.

  2. O prefeito do Rio de janeiro não sabe para que serve e a importância uma árvore no meio urbano. Desde sua primeira administração vem retirando as árvores da Cidade, serviço executado, geralmente, pela Comlurb, ele praticamente acabou com a Fundação Parques e Jardins. A Tijuca tem sido muito prejudicada por isso, a Comlurb passou a adotar um novo método, corta os troncos rente ao chão para dificultar a retirada e o plantio de outra árvore, em seu lugar planta cimento. Também autoriza particulares a retirar árvores do ambiente público, calçada nas ruas não é propriedade particular.

  3. Foi comentado no Drio a ação do SubPref da Tijuca com replantio de arvores. Mais uma vez reforço o ponto de que a administração municipal deve colocar isso como ação mandatória na cidade, melhorando o ambiente.

  4. Concordo. Bom artigo. Em algumas áreas recém transformadas da cidade, perdeu-se a oportunidade de plantar árvores; por exemplo, o entorno do estádio do Maracanã, a Praça XVI, a Cidade Olímpica, dentre outras. Dado o tempo de crescimento de certas espécies e o potencial problema no futuro se ficarem muito grandes, pode-se dar preferência a árvores de menor porte, mas com copas suficientemente robustas para criar sombra. Acho que estas cresceriam mais rapidamente. Deve-se dar preferência também a espécies nativas.

    A verticalização da cidade e o excesso de veículos movidos a combustíveis fósseis agravam o problema. Certas áreas são verdadeiros corredores de calor, pois o material das fachadas dos prédios (cimento) retém calor. Além disso, muitos prédios, um ao lado do outro, de certa forma alteram e reduzem a circulação natural de ar, dando, a quem está em baixo, a sensação de estar em uma estufa. Nem preciso dizer como gasolina e óleo diesel contribuem para deixar o ambiente mais quente. Mais um motivo para pensarmos em tirar motos, carros e os tradicionais ônibus barulhentos e poluentes das ruas. A expansão da rede de VLT pode ser uma boa alternativa, pois são elétricos e bem mais silenciosos.

    Há muito trabalho a ser feito, mas o fundamental é sair da inércia. Todos nós temos que, de alguma maneira, agir para reduzir o calor, nem que seja usar menos o carro.

  5. Rio de Janeiro – Plantio de Árvores

    Alguém na página da Prefeitura sugeriu que se fizesse um mutirão para o plantio de mudas de árvores pela cidade.

    E eu pensei cá comigo: ótima ideia, pois Parques e Jardins anda com o desempenho muito fraco, talvez esteja precisando de alguma ajuda…

    Pasmem… até São Paulo (outrora uma cidade super árida) agora está mais bem arborizada do que o Rio de Janeiro

    Um bom exemplo do descaso com nossa cidade é só se observar a arborização mixuruquérrima e paupérrima que fizeram na Orla Conde – onde cabem mais de mil árvores, não plantaram nem duzentas – e umas árvores de péssima qualidade, que não crescem nunca (não plantam as árvores já de um bom tamanho – Santa Ignorância !!! ) – e não tem nem uma árvore florífera sequer naqueles quatro quilômetros de calçadão.

    Ah, esqueci de dizer, os portugueses e os sul-africanos roubaram nossas sementes de jacarandás e arborizaram as belas e bem cuidadas cidades deles com nossas flores – e nós aqui eternamente comendo moscas em termos de arborização…

    Tem um belo caramanchão de granito na Orla Conde quase nos fundos da Casa França-Brasil, onde até agora não plantaram árvores floríferas – e nenhuma outra árvore (é um caramanchão sem utilidade alguma), mesmo já tendo passado sete anos da inauguração da Orla Conde.

    Você há de convir que sete anos para se plantar as árvores que já deveriam estar florindo no alto deste caramanchão é um verdadeiro absurdo.

    Alô, Alô, Cdurp e Parques e Jardins, vejam se acordam !!!!!!!!!!

    P.S.: O que é que Parques e Jardins ainda não aprendeu sobre o que são árvores floríferas e para que servem ?

  6. mas é a própria população (muito ignorante) que acha que as árvores sujam as ruas com folhas(!), que galhos podem cair e arranhar carros (que horror!), e que passarinhos nas árvores sujariam os carros com seu cocô (outro horror). Depois ficam lamentando o calor e a conta de luz, pela necessidade de ar refrigerado…

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