Estive presente na homenagem feita ao rei Pelé no Cristo Redentor, na última sexta-feira (29), pelo seu um ano de falecimento. Foi lindo assistir a Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro tocando enquanto o Cristo vestia a camisa 10 da Seleção Brasileira, a clássica da CBD. Dom Orani e Padre Omar discursaram sobre a importância do ícone e ainda conversei com o zelador Pablo Anibal Romero Cardozo, argentino, que, vejam só, foi coroinha do Papa Francisco. Foi a primeira pessoa que me recebeu gentilmente quando cheguei, e a última com a qual conversei antes de ir embora.
Apesar da noite feliz que tive, sobre a qual ainda falarei mais, algo não saía de minha cabeça, uma injustiça na minha concepção. Uma amiga, grande crítica teatral e produtora, Paty Lopes, me enviou a lista dos indicados para o 34º Prêmio Shell de Teatro, que existe desde 1988. É simplesmente a mais antiga e prestigiada premiação na cena teatral do Brasil. E qual não foi meu susto ao perceber que o melhor espetáculo que vi em 2023, talvez até nos últimos anos, não tinha nenhuma indicação?
Em especial, na verdade, fui direto em Melhor Atriz para ver o nome da mulher que me impressionou e fez chorar com uma atuação irretocável. Não acreditei. Quando vi “Furacão”, da Amok Teatro, a entrada gradual da atriz Sirlea Aleixo mostrava uma força idosa e vigorosa simultaneamente, que era um prelúdio do show que veria.
Foi simplesmente uma das melhores atuações que já presenciei nos palcos ao longo dos meus anos no jornalismo cultural e na crítica. Toda sua milimétrica expressividade corporal, seu rosto marcante e marcado, o olhar cerrado e profundo, tudo contribuía para algo que me foi inesquecível naquela história sobre a chegada do furacão Katrina nos Estados Unidos, onde a personagem compartilha detalhes de sua vida sofrida, mas cheia de resiliência.
Sucesso de público e crítica
Vi em agosto e esperava ansiosamente não só pela indicação de Sirlea, mas pela sua vitória. Foi a primeira (e única até agora) vez que a vi ao vivo. Somente algum tempo depois descobri que ela era uma atriz que morava no Jacarezinho, área periférica do Rio de Janeiro, e tinha toda uma história de vida que se conectava com aquela personagem cativante. Ainda lembro que uma das experiências mais marcantes do espetáculo foi observar não apenas a plateia emocionada, mas também todo o elenco ao término da apresentação. Isso não acontece todo dia. E olha que praticamente toda semana vejo alguma peça e vou em cabines de imprensa de cinema a trabalho.
“Furacão” foi sucesso de público, crítica, e o boca a boca espalhou o quanto era bom. Depois da análise que fiz, vi ainda tantas outras saírem em diversos jornais e veículos de imprensa, sempre elogiosas e impressionadas com o trabalho dela e de “Furacão” como um todo. Aqueles que conversavem comigo já davam como certa a vitória de Sirlea Aleixo. Enquanto isso, outras indicações do 34º Prêmio Shell de Teatro, não fizeram barulho algum.
Dom Orani e a Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro
Fui para o Cristo Redentor com isso em mente, mas lá espaireci. Presenciar a energia única da Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro (OSJRJ) louvando Pelé emocionou. “O jovem de três corações, de Minas Gerais, teve quem o apoiasse em seu talento de esportista, jogador de futebol.” disse o cardeal do Rio de Janeiro, D. Orani Tempesta. “A Orquestra Jovem realmente mostra como é possível desenvolver talentos em vários locais da nossa cidade.”, completou enquanto refletia sobre a necessidade de apoio aos mais humildes. O projeto da OSJRJ é uma iniciativa do programa Ação Social pela Música do Brasil (ASMB), e conta com 55 jovens talentosos, com idades entre 15 e 24 anos, a maioria proveniente de comunidades socioeconomicamente desfavorecidas do Rio de Janeiro.
“Num mundo de muitos egoísmos, de muitas pessoas que pensam apenas em si mesmas e pouco se preocupam com os outros, o esporte nos mostra essa necessidade de chegarmos a um resultado, fruto de uma comunhão, de uma unidade, de uma preocupação usando os talentos individuais, porém de modo coletivo.”, disse ainda Dom Orani, após falar sobre como o esporte e a orquestra tinham semelhanças, nessa questão do coletivo em prol de um objetivo. O cardeal aproveitou o momento para trazer essa reflexão sobre a promoção de talentos e o reconhecimento.
“Que o Pelé, o grande rei do futebol possa de fato marcar a história de muitos outros jovens brasileiros que se inspirem na sua fé em Nossa Senhora Aparecida, no seu trabalho, e no seu exemplo como o homem grandioso que foi.”, falou o reitor do Santuário Cristo Redentor, Padre Omar.
Por fim, fiquei com um gosto amargo da injustiça no reconhecimento para com Sirlea Aleixo, mas com um sabor doce de poder ouvir as palavras daqueles homens sobre bons exemplos, fé e a importância de apoiar as pessoas. Sempre vale a pena rememorar o vascaíno Pelé, que levou a camisa do Santos e o nome do Brasil para todo o mundo, marcando a história para sempre como nosso maior talento esportivo.