Em Agora Agora, romance escrito por Carlos Eduardo Pereira e publicado em 2022 pela editora Todavia, conhecemos a história de três gerações de uma família. Ao completar 45 anos, Jorge Ferreira Neto, homem afeito às repetições da rotina, decide não sair de casa. Levado pelas lembranças do passado, passa a narrar histórias da sua vida, da vida de seu avô e de seu pai – três gerações de Jorges Ferreiras, três gerações de homens negros.
As recordações têm início em seu aniversário de quinze anos, data em que chegou à academia preparatória de cadetes, em Barbacena, levado pelo pai. Mais tarde ficamos sabendo que aquele foi o início de uma fase traumática em sua vida.
Segundo a filosofia africana, o tempo cronológico é uma ilusão – presente, passado e futuro existem simultaneamente. O título Agora Agora pode ser interpretado como essa ideia de tempo em todas as suas formas. O presente, na expressão muito usada para dizer que algo acabou de acontecer. Mas também traz a reflexão sobre como o presente é um reflexo das ações do passado. Muitas vezes, uma repetição. Um Agora é o passado, quando o narrador teve a experiência traumática na academia de cadetes; o outro Agora é o nosso passado recente – que, de muitas maneiras, continua presente –, quando o país elegeu à presidência um capitão reformado do Exército. E o livro mostra como os dois fatos estão intimamente ligados.
“E os senhores estão na etapa final do que chamamos de processo seletivo. Peneira que cumpre a função de sempre melhorar as gerações futuras de membros da FAB. Separa-se o bom, logo na sua origem. Ficam para trás os pleiteantes relativamente inadequados. Eliminam-se os drogaditos. Os pederastas. Os sensíveis. Aqueles que são pobres demais. Que são pretos demais. Se bem que, nesse caso, a FAB não é nem a Força mais prejudicada. A Marinha sofre mais com aquela farda branca.”
Além das lembranças, Jorge Neto discorre sobre temas da atualidade, como o BBB, as dinâmicas nos grupos de WhatsApp e a política. Sua narração é cheia de parênteses e travessões, em pensamentos que vão se sobrepondo e se entrelaçando. Leitores atentos podem perceber trechos irônicos quando o tema é, por exemplo, o negacionismo ou as notícias falsas (“O mentiroso pode estar perdido, pode ser que ele apenas suspeite, não tenha certeza absoluta, de que aquela informação seja falsa.”). As histórias, que vão desde o início do século XX até os tempos atuais, trazem à tona o racismo estrutural, que permeia e deixa sequelas na vida das três gerações.
Voltando ao conceito de tempo e aos saberes africanos, alguns povos usam um símbolo chamado Sankofa, representado por um pássaro que voa para a frente, mas possui a cabeça voltada para trás e carrega no bico um ovo, representando o futuro. Olhar para trás enquanto avançamos é uma forma de sabedoria: aprender com o passado para agir no presente (sem repetir os erros) e criar o futuro. O livro de Carlos Eduardo Pereira é permeado por essa ideia – conhecer o passado para compreender o que ocorre no presente. O problema é que, no caso do nosso país, talvez não tenhamos aprendido nada com o passado recente (agora agora) e é possível que os erros se repitam no futuro.
- Livro: Agora Agora
- Autor: Carlos Eduardo Pereira
- Editora: Todavia
- Páginas: 216