O assunto do momento na cena pública insulana e na agenda do debate político e acadêmico local é o chamado PEU da Ilha do Governador, abreviação de Plano de Estruturação Urbana, um PLC (Projeto de Lei Completar) de número 107/2015 que o Poder Executivo municipal elaborou e que nos últimos meses chegou à Câmara de Vereadores para sua tramitação e votação. Na prática, diz respeito a um planejamento de desenvolvimento urbano da área, que, entre tantas propostas (positivas e negativas), mudará os parâmetros construtivos nos bairros historicamente conhecidos como “bucólicos”, embora hoje experimentem os efeitos de um capitalismo avassalador.
Antes de nos atermos a alguns pontos do PEU, gostaria de trazer à luz duas tendências, apresentadas e discutidas pela professora da Escola de Administração da UFBA Suzanne Moura em seu texto Cidades empreendedoras, cidades democráticas e a construção de redes públicas na gestão local. Segundo ela, duas tendências impulsionaram a inovação e a renovação da gestão pública na esfera local na atualidade, ambas ocorridas entre os anos 70/80, associadas a um processo de descentralização do Estado, resultante tanto do avanço do neoliberalismo quanto de transições democráticas em países de capitalismo avançado e latino-americanos. Estas tendências, segundo a autora, enfatizaram, por um lado, as virtudes do local em matéria de desenvolvimento e/ou, por outro, de exercício da democracia. Denominam-se como “empreendedorismo competitivo” e “ativismo democrático”. A autora, por fim, tomará dois casos para a análise desses métodos de gestão: a experiência do Planejamento Estratégico de Barcelona, que se desenvolve desde 1988, e a do projeto Cidade Constituinte de Porto Alegre, implementado a partir de 1993. Tendo em vista que a primeira tendência servirá de inspiração para a implementação do primeiro plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro, em 1992, me debruçarei, por ocasião, apenas nesta expressão, observando o seu conceito e sua eventual contribuição para o novo PEU da Ilha.
A tendência de empreendedorismo urbano indica um movimento de redefinição no papel e atuação dos governos locais, com ênfase no desenvolvimento de virtualidades competitivas, visando a integração na concorrência do mercado global de cidades. Nessa perspectiva, destacam-se alguns elementos característicos, tais como: privilegia-se a construção de espaços e mecanismos de cooperação público-privado; a utilização de práticas de gerenciamento empresarial na gestão local e o marketing urbano, visando a promoção externa e interna da cidade. É este modelo, com estas características apresentadas por Moura, que vemos muito fortemente hoje na cidade.
Partindo deste princípio de projetar o desenvolvimento da cidade num horizonte de futuro, a prefeitura do Rio de Janeiro, após atualizar seu Plano Diretor, em 2011, estabeleceu que, entre as novas quatro macrozonas, a macrozona incentivada, onde situa-se a Ilha do Governador, passaria por uma revisão de sua legislação de uso e ocupação do solo, para promoção – segundo eles – de melhorias específicas. Esta é a justificativa oficial, segundo os técnicos, para a elaboração do PEU. Nesse aspecto, prevê-se avanços, como ampliação do sistema de barcas, modernização e padronização de quiosques, requalificação de vias e calçadas, e até o tombamento e preservação de monumentos históricos. Porém, ao custo destes benefícios de desenvolvimento local beira sobre nós, insulanos, a ameaça da possibilidade de um adensamento construtivo e populacional, à reboque das mudanças de gabarito (padronização de três andares para todas as zonas, eliminando a atual ZR-2, cujas edificações só possuem dois andares) e permissão de empreendimentos imobiliários do tipo vila (grupamentos com até 12 unidades) no qual não será obrigatória a existência de estacionamento e guarda de veículos (traduzindo: mais carros nas ruas e calçadas). Enfim, um pacote de mudanças, sob a ótica do desenvolvimento, que poderá custar caro ao bem-estar da população insulana, cujos efeitos colaterais só serão sentidos em médio e longo prazos.
A Ilha do Governador está diante deste desafio: apoiar este projeto em sua integralidade e aguardar para ver os seus desdobramentos ou tomar conhecimento desta iniciativa do governo local, aprofundar a análise e a reflexão, e propor – democraticamente – que adequações sejam feitas para não prejudicar o futuro da região. Seja um ou outro caminho, fato é que, se a prefeitura tivesse desenvolvido redes públicas e plurais com a sociedade civil, considerando-se que estas são um mecanismo básico do processo de planejamento (e traço característico dessas duas tendências), nenhum impasse estaria hoje existindo, e a proposta do tão sonhado e necessário desenvolvimento seria fruto de uma construção coletiva e não resultado de um trabalho de gabinetes.