Imagine estar em um quente bloco de Carnaval e o desfile terminar em um delicioso mergulho na praia? Em alguns cortejos, sobretudo os que acontecem na Zona Sul da cidade e na Barra da Tijuca, isso é possível. No entanto, acontece de forma mais individual, não faz parte em si do desfile. Em outros tempos fez. Era tudo uma cosia só.
Dos anos 1910 até a década de 1960, uma tradição carnavalesca era muito comum no Rio de Janeiro: os desfiles de fantasia que terminavam em banho de mar. Na prática, era bem simples. Os foliões curtiam os blocos, mostravam suas criativas roupas, e ao final da festa se jogavam nas águas.
“O banho de mar à fantasia atraía todas as faixas etárias e contribuía com o embelezamento das ruas e da orla, com caráter lúdico, criativo e efêmero“, escreveu Carla Vaz da Silva no artigo O RESGATE DO BANHO DE MAR À FANTASIA – Uma Manifestação Carnavalesca Esquecida, feito para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Esses desfiles eram muito comuns nas praias de Ramos, Ilha do Governador, Paquetá, Copacabana, Russel — que ficava na Glória. Entre outras.
“Consistia de um bloco de foliões que escolhiam uma temática, onde preparavam suas fantasias e desfilavam com seus instrumentos ao som de marchinhas da época, mas à medida que passavam nas ruas, o bloco crescia com a adesão de novas pessoas, que aguardavam ansiosas sua passagem. A condição para participar era que todos estivessem com vestimentas de banho por baixo das fantasias, e estas eram trabalhadas com cuidado, devido ao material ser delicado, pois eram feitas de papel crepom colorido. Neste momento, os foliões se rendiam ao carnaval, colorindo as águas e seus próprios corpos com as fantasias que se desintegravam, sendo levadas pelo mar“, detalhou Carla Vaz em seu artigo.
A tradição foi perdendo força na década de 1960. A repressão da ditadura militar, que passou a perseguir e proibir desfiles de diversos blocos e agremiações carnavalescas, foi um dos motivos.
O aterramento de algumas praias nos anos 1960 e 1970 e a crescente poluição da Baía de Guanabara também contribuiu bastante para que os desfiles que terminavam em mergulhos passassem a ser cada vez menos populares. Com isso, praticamente acabaram.
No entanto, em 2024, começou um movimento que pode trazer à tona esses eventos de volta ao Rio de Janeiro.
Foto: Diana Sandes
No domingo do dia 18/02, do pós-carnaval, foi realizado, na Prainha da Glória, a primeira edição do Glorioso Mergulho à Fantasia. Um cortejo partiu do Clube de Regatas Boqueirão (onde acontecia banhos de mar à fantasia anos atrás) em direção à Glória para os concorrentes apresentarem suas vestimentas, promoverem as performances terminando com um mergulho.
A ideia veio de Alex Teixeira — folião, ator e pesquisador. O concurso foi organizado por Aïcha Barat, Alex Teixeira, Bruno Eppinghaus, David Coelho, Diana Daou, Marcos Quental, Marina Alice Nery e Matheus Nagem. Todos têm um histórico comum, que é a produção de eventos de rua gratuitos na cidade do Rio de Janeiro.
Foto: Diana Sandes
“Fomos seduzidos pelo fato de ser um projeto carnavalesco que juntava bloco, cortejo, concurso, banho de mar e, sobretudo, esse pensamento sobre direito à cidade, que já perpassava projetos anteriores que realizamos“, pontua a produção do Glorioso Mergulho.
Dona Eliana, tema de matéria aqui no DIÁRIO DO RIO, participou desta primeira edição do concurso e levou o prêmio hors-concours.
Fotos: Diana Sandes
De acordo com a produção do Glorioso Mergulho, o resultado deste ano superou as expectativas e a vontade é de levar o projeto adiante nos próximos carnavais.
“Esperamos que iniciativas similares se espalhem por aí. Para nós, do Glorioso Mergulho, é menos sobre ‘resgate’ e mais sobre ‘rememorar’. Queremos dizer com isso que não temos a pretensão de um resgate: estamos em 2024 e não almejamos um saudosismo do que não vivemos. Não queremos ‘resgatar’ essa tradição porque aquilo teve um tempo e um espaço. Esperamos contribuir com novas tradições e que surjam outras iniciativas brincantes para os festejos de momo. Nos inspiramos nesses eventos, mas estamos em 2024, então naturalmente veio uma pegada mais eco consciente na abordagem do projeto. Além de tentar orientar os foliões a não mergulharem com lantejoulas, paetês, glitter e purpurina que não fosse biodegradável, achamos importante promover dois mutirões de limpeza do espaço que ocupamos – um antes e outro após o evento – no intuito de zelar por esse local que é público e de todos. A expectativa é trazer de volta ao calendário da cidade essa tradição que se perdeu ao longo dos anos, mas com essa pegada do presente. Esperamos, por exemplo, que mais iniciativas de mutirões de limpeza aliados à folia se espalhem por aí, não podemos depender só do poder público. É tarefa de todo cidadão cobrar, mas também zelar pelo bem público”.