A mobilidade urbana, para alguns especialistas, é o resultado da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens com a cidade e a disponibilidade de meios (automóveis, ônibus, metrôs, bicicletas, pedestres etc.) e a infraestrutura adequada disponíveis para tais deslocamentos. A mobilidade urbana pode ser pensada também como as diferentes respostas dadas pelos indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de locomoção intraurbana, considerada as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades neles desenvolvidas. Deste modo, mobilidade urbana é muito mais do que aquilo que se costuma chamar de “transporte urbano”, ou seja, esse conjunto de serviços e meios de deslocamentos. A mobilidade urbana congrega os mais diversos modos de transporte, de passageiros, a interação destes com as infraestruturas, com o ambiente urbano e com o próprio meio ambiente. Agora, se existe um consenso no que diz respeito à mobilidade urbana (setor, por sinal, tão em evidência no contexto atual), ao que me parece é que uma crise o assola, e que esta é resultante da escolha – insistente – pelo modo de transporte motorizado individual (traduzindo-se: carro!) como forma privilegiada de locomoção, inclusive nas ações governamentais. Tratar da mobilidade e da circulação urbana requer, portanto, observar diferentes vetores. Em virtude disso, gostaria de estabelecer, inicialmente, uma primeira análise da conjuntura atual da Ilha do Governador, afinal de contas dispomos de uma morfologia semelhante a qualquer pequena ou média cidade, o que nos obriga a tecer avaliações por etapas.
Nossa região vem experimentando os efeitos desse colapso da mobilidade urbana. A cultura rodoviarista, imposta ao país desde a década de 1960, predomina também na Ilha desde a segunda metade do século XX, quando da construção da primeira ponte ligando ao continente, em 1949. A partir de então, o processo de urbanização resultou na abertura de novas vias e estradas consideradas primordiais ao desenvolvimento, como a Galeão – Ribeira, a Avenida Paranapuã e tantas outras, substituindo, a partir de então, a predominância dos deslocamentos aquaviários (através de barcas que interligavam bairros como Freguesia, Cocotá, Zumbi, Ribeira e Jardim Guanabara por meio de pontes de atracação, e também na ligação à Praça XV), assim como os deslocamentos a pé ou por bicicletas. Com o tempo vieram os trilhos e os bondes, que logo depois compartilharam o espaço urbanizado com o automóvel, que por sua vez também viu surgir as linhas de ônibus e, mais recentemente, vans, kombis, táxis e moto táxis. No aspecto geral, o privilégio dado ao transporte urbano motorizado – com a intercessão do Estado – produz, ao longo do tempo, o estado de caos que vivenciamos hoje, com nossas principais artérias viárias congestionadas a qualquer hora do dia, a mercê de imprevistos como blitz, acidentes ou simplesmente excesso de veículos.
O futuro da Ilha do Governador encontram-se sob o risco de persistir na contramão das soluções positivas e sustentáveis
A insistência nesse modelo de mobilidade trouxe consequências dramáticas para o nosso cotidiano. Os números confirmam: o automóvel ocupa 90% do espaço viário, para transportar apenas 20% das pessoas; a poluição ambiental chega a 258 mil litros de combustível por ano, gerando uma poluição atmosférica de 123 mil toneladas de monóxido de carbono e 11 mil toneladas de hidrocarbonetos. Estes resultados aumentam os custos de investimentos e a consequente perda de competitividade das cidades. Surgem os conflitos de circulação entre os modos, a disputa de espaço para o deslocamento e estacionamento, a demanda frequente por implantação e alargamento de vias e viadutos, passarelas, transportes coletivos cada vez mais com baixa qualidade etc. Como mecanismos de resposta a este quadro, implantam-se os rodízios, as restrições de estacionamento, os pedágios urbanos, as restrições à movimentação de carga, ou seja, recursos para se tentar assegurar alguma fluidez ao trânsito.
Mesmo diante desse cenário calamitoso, o presente e o futuro da Ilha do Governador encontram-se sob o risco de persistir na contramão das soluções positivas e sustentáveis. Incoerente com seu próprio discurso de que “carro e Cidade não combinam”, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, criou um Plano de Estruturação Urbana (PEU) para a nossa região que na prática apenas reforçará o uso e o acúmulo dos carros, ao invés de garantir a mudança deste paradigma com a implementação de políticas públicas que viabilizem outros modos alternativos de transporte coletivo e individual. Ainda que o PLC (Projeto de Lei Completar) 107/2015, em tramitação na Câmara de Vereadores do Município, vislumbre diretrizes como “requalificação urbana e paisagística das calçadas e principais logradouros”, ou “avaliação da ampliação do sistema hidroviário”, estas não figuram dentro de um prazo pré-estabelecido para a sua aplicação, na medida em que o plano não apresenta metas temporais. Sendo assim, a legalização de empreendimentos imobiliários do tipo vila, com até doze unidades residenciais, de três gabaritos, podendo estar superpostas e isentas de estacionamento, produzirá, por exemplo, um aumento da disputa pelo espaço urbano para a guarda de veículos. Outro ponto desse projeto que retrata o estímulo ao modo de transporte motorizado individual é a proposta de edifícios-garagem ao longo de vias como a Estrada do Galeão, Dendê e Cambaúba. Estima-se que – como ocorre hoje, principalmente a noite, no acesso à Universidade Estácio de Sá – esses estacionamentos verticais formem filas de carros na faixa da direita, pressionando determinados trechos da via e prejudicando a fluidez do trânsito.
Nós, insulanos, estamos diante de um destino aterrorizante no quesito transporte e mobilidade, sobretudo se não for derrubado urgentemente esse PEU. Não tenho dúvida que a melhora não se dá pelo uso ou incentivo ao uso do carro. Somos uma Ilha e para além de nossas fronteiras não podemos crescer. É preciso somente repensar a nossa matriz de mobilidade urbana, que no passado foi predominantemente hidroviária. Também é preciso projetar e estimular os modos não motorizados, como o andar a pé e/ou por bicicleta. Outro ponto importante é a questão da acessibilidade aos portadores de deficiência e a qualificação sempre constante do serviço de ônibus. Enfim, um conjunto de iniciativas que desconstruirá gradativamente o atual cenário de conflitos na circulação entre kombis, vans, carros e ônibus, e a concorrência feroz por vagas e estacionamentos. Vamos avançar!