Muito se debate sobre o transporte coletivo em embarcações na Baía de Guanabara. São inúmeras questões, como mais barcas, horários melhores, novas rotas, menos poluição, ou até mesmo menos movimento para reduzir os danos à Baía. Essa história é antiga e vamos contar um pouco dela aqui no DIÁRIO DO RIO.
Desde os primórdios, quando a costa do litoral fluminense era habitada apenas por indígenas, o transporte em embarcações pela Baía de Guanabara já era frequente. As canoas levavam pessoas, animais e alimentos de um lado para o outro.
A partir do século XVII, já com a presença europeia, pequenas embarcações a remo ou a vela, chamadas de faluas, navegavam pela Baía da Guanabara fazendo o transporte de pessoas.
“Os principais portos do Rio de Janeiro se localizavam nas águas da Baía de Guanabara. As faluas transportavam não só pessoas, mas também alimentos que iam para os portos para serem comercializados”, conta o pesquisador Paulo Costa.
Relatos da época mostram que em 1779, eram 22 lanchas e 10 saveiros que realizavam viagens frequentes entre o então Saco da Boa Viagem (atualmente a região das praias das Flechas, Itapuca e Icaraí) e a capital colonial, o Rio de Janeiro. Esse levantamento foi feito por ordem do vice-rei Marquês do Lavradio.
A primeira embarcação a vapor
Uma tecnologia recente naqueles tempos, as embarcações a vapor foram autorizadas pelo governo real em 1817. Contudo, por alguns anos, ninguém se interessou em assumir a concessão e colocar barcos modernos na Baía de Guanabara.
Dois anos depois, em 1819, Dom João VI elevou Praia Grande à categoria de “Vila Real”. A “Rua Direita da Conceição”, que desembocava junto ao Porto das Faluas, se tornou o centro comercial da localidade. Isso aumentou a quantidade de embarcações na região. Em 1834, a Vila Real de Praia Grande foi elevada à condição de município e passou a ser a capital da Província do Rio de Janeiro com o novo nome de Niterói a partir do ano seguinte.
No dia 14 de outubro de 1835 foi criada a “Companhia de Navegação de Niterói“. A primeira embarcação a fazer a travessia foi o vapor inglês “Especuladora”, que, juntamente com as barcas “Nictheroyense” e “Praiagrandense“, formavam a totalidade da frota.
As barcas tinham capacidade para 250 passageiros. O trajeto era a Baía entre o Cais Pharoux (atual Praça XV de Novembro) e a Praça Martim Afonso (atual Praça Arariboia) e era feito em 30 minutos de viagem. A tarifa normal custava 100 réis nos dias úteis e 160 réis aos domingos e feriados. Após as 18 horas, todas as tarifas subiam para 320 réis.
Quase 10 anos depois de começar a funcionar na Baía de Guanabara, a “Especuladora” explodiu após um problema com sua caldeira. Cerca de 70 passageiros morreram e outros 50 ficaram feridos. O acidente foi no dia 23 de maio de 1844.
Mais linhas que hoje em dia
Por incrível que pareça, no século XIX, haviam mais linhas de embarcações na Baía de Guanabara do que hoje em dia. A Companhia Nictheroy & Inhomerim surgiu da fusão da Companhia Inhomerim (criada em 1840 para operarar na rota Porto das Caixas, em Itaboraí e o Porto de Estrela, Magé) e da Sociedade Navegação de Niterói.
A partir de 1852, a Companhia passou a ter as linhas ligando o Largo do Paço até a Praia de Botafogo (na altura da Rua São Clemente) e os bairros da Ilha do Governador, Paquetá, Catete e Inhaúma. Nesta época, havia nove embarcações realizando as travessias: Santa Cruz; Restauração; São Clemente; Botafogo; Petrópolis; Ponta d’Areia; Inhomerim; Nictheroy e São Domingos.
Novos tempos
“Em 1853, o empresário norte-americano Clinton Van Tuyl chega ao Rio de Janeiro disposto a trazer embarcações semelhantes às balsas do Rio Mississipi, mais modernas que as utilizadas pela “Companhia Nictheroy & Inhomerim”, que detinha o privilégio de exclusividade na exploração do serviço até 1861. Aproveitando-se do clima de insatisfação dos usuários para com a qualidade dos serviços prestados pela “Nictheroy & Inhomerim”, Van Tuyl passou a pleitear a quebra do monopólio das barcas através de artigos publicados na imprensa fluminense. Mas seria outro norte-americano, Thomas Rainey, que conquistaria o direito de fundar uma nova empresa de transporte aquaviário na Baía da Guanabara. Rainey, um sulista exilado pela Guerra Civil Americana, alegou que a ideia original de trazer balsas do tipo ferry para a ligação Rio/Niterói era sua, e que Clinton Van Tuyl seria apenas um preposto seu. A polêmica entre os dois compatriotas duraria até 1858, quando ambos se reuniram em Nova York. Van Tuyl vendeu para Rainey a empresa que já havia sido criada no Brasil, e o segundo retornou ao Rio de Janeiro, a fim de esperar o término do privilégio de exclusividade da ‘Nictheroy & Inhomerim’“, informa a CCR Barcas, atual detentora da concessão para o transporte de passageiros na Baía de Guanabara.
A Companhia Ferry passou a operar em junho de 1862.
População revoltada
Não demorou muito para a Ferry também ser alvo de reclamações da população. O motivo parece até atual: os aumentos tarifários e a tabela de horários, que parava às 22 horas.
Por conta da reclamação geral, o alemão Carlos Fleiuss, em 6 de janeiro de 1870, conseguiu entrar na concorrência dos transportes de passageiros na Baía de Guanabara e inaugurou os serviços da Companhia Barcas Fluminenses, novamente com a presença de Dom Pedro II, e contando com três embarcações: Côrte, São Domingos e Nictheroy.
A disputa entre as duas empresas aumentou o número de passageiros. No entanto, ficou perigoso porque as embarcações rivais apostavam corrida para ver quem chegava antes e saia logo com os locais ocupados e passagens vendidas.
Esse serviço sempre foi alvo de críticas da imprensa e da população em geral por conta de atrasos e de problemas nas embarcações. Em dezembro de 1925, o preço das passagens aumentou para 600 réis (ida e volta). Houve várias revoltas populares, como um quebra-quebra na estação de Niterói e a depredação de barcas.
Em 1959 aconteceu a Revolta das Barcas. Nos confrontos entre a população indignada com os maus serviços e as tropas do Exército (que foram ajudar a polícia) seis pessoas morreram e outras 118 ficaram feridas. Esse episódio acabou levando à estatização do serviço.
Tempos atuais
Após esse processo de total estatização, no decorrer dos últimos anos, o serviço de transporte de passageiros em embarcações na Baía de Guanabara passou pela gestão da Marinha e de empresas através de concessões público-privadas.
Em 2012, 80% do capital da Barcas S/A foram adquiridos pelo Grupo CCR, que rebatizou a empresa com o nome de “CCR Barcas”. Em 2022, a CCR anunciou que devolveria e não renovaria o contrato de concessão passados os 25 anos de exploração, em fevereiro de 2023.
No entanto, o serviço foi estendido até 2024 e depois até o ano que vem, 2025.