No coração do subúrbio carioca, um monumento à história da medicina e à arquitetura eclética do Rio chama atenção dos olhares mais curiosos. O Complexo Hospitalar Nossa Senhora das Dores, em Cascadura foi fundado em 1884 pela Santa Casa, o hospital foi concebido como o primeiro no Brasil dedicado ao tratamento da tuberculose, uma das principais causas de morte na época. Sua construção ocorreu na antiga Chácara do Ferraz, adquirida pelo Barão de Cotegipe, provedor da Irmandade da Misericórdia, como medida de isolamento dos doentes tuberculosos.
Com uma imponente Capela de Nossa Senhora das Dores, erguida entre 1911 e 1917 em estilo neogótico, o hospital possui uma arquitetura suíça, composta por seis pavilhões, inseridos em uma extensa área verde. Até 1965, o foco do hospital permaneceu exclusivamente no tratamento da tuberculose, expandindo-se posteriormente para abranger outras especialidades médicas, principalmente a Psiquiatria.
No entanto, nos anos recentes, o Complexo Hospitalar Nossa Senhora das Dores tem enfrentado dificuldades financeiras, resultando na desativação de parte de suas instalações. No fim do ano passado, a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro inaugurou a RUA Sonho Meu (Residência e Unidade de Acolhimento), que fica no complexo de oito prédios do Hospital Nossa Senhora das Dores. A inauguração fez parte do Programa Seguir em Frente, que tem como objetivo atender, de diversas formas, as pessoas em situação de rua na cidade do Rio.
Diante do cenário, a vereadora Tainá de Paula, (PT), propôs um projeto de lei que visa o tombamento do complexo hospitalar. Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO RIO, a vereadora destacou a importância histórica e social da iniciativa: “O tombamento do Hospital Nossa Senhora das Dores, conhecido pelos cariocas como Hospital de Cascadura, é uma ação que dialoga muito com a política urbana do nosso mandato. Primeiro, porque do ponto de vista arquitetônico, estamos diante de uma arquitetura eclética tradicional do subúrbio carioca. Além disso, do ponto de vista urbanístico, trata-se de um imóvel histórico, cuja função social de cuidado, principalmente de atendimento aos vulnerabilizados, remonta ao século XIX.”
A vereadora ressaltou ainda a importância da inauguração do RUA Sonho Meu (Residência e Unidade de Acolhimento), dentro do complexo hospitalar, como parte do Programa Seguir em Frente.
A preservação do patrimônio suburbano é uma batalha em curso na cidade. A região, rica em história e cultura, abriga exemplares que já receberam o status de tombamento municipal. Estamos falando de uma das áreas mais antigas da cidade, que começou a ser ocupada desde o século XIX, ganhando destaque após as reformas urbanísticas propostas pelos prefeitos Barata Ribeiro e, posteriormente, Pereira Passos, impulsionando o desenvolvimento das antigas freguesias rurais do Rio.
No entanto, a discrepância na quantidade de tombamentos entre os bairros do Centro e da Zona Sul ainda é evidente. Cerca de 80% dos tombamentos municipais estão concentrados nessas áreas, totalizando 313 imóveis. Nas áreas suburbanas, os bens tombados se concentram principalmente nos bairros de Marechal Hermes, Méier e Madureira. Destacam-se também outros exemplares significativos, como a Fábrica Bangu e o complexo industrial ocupado pelo Colégio Pedro II em Realengo.
Daniel Sampaio, ativista pela preservação do patrimônio arquitetônico da cidade e proprietário da página “Rio Antigo”, endossou a importância do projeto de lei: “O Rio antigo não se resume ao Centro e à Zona Sul. O subúrbio possui exemplares magníficos, muitos dos quais sequer são tombados. O Hospital Nossa Senhora das Dores é um dos maiores patrimônios da nossa cidade, motivo de orgulho para Cascadura e para todo o subúrbio central.”
Sampaio aproveitou para solicitar a criação de novas Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs) nos subúrbios, visando ampliar a proteção do patrimônio histórico e arquitetônico dessas regiões: “Precisamos ampliar e levar pra outros locais, senão vamos ver o subúrbio desaparecer aos poucos”
Conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988, art. 216, o patrimônio cultural brasileiro abrange bens de natureza material e imaterial que refletem a identidade, a ação e a memória dos diversos grupos que compõem a sociedade brasileira. Isso inclui formas de expressão, modos de criar, fazer e viver, criações científicas, artísticas e tecnológicas, obras, objetos, documentos, edificações e outros espaços destinados a manifestações artístico-culturais, bem como conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Para o Mordomo dos Prédios da Santa Casa da Misericórdia – dona do complexo, Cláudio André de Castro, a medida é acertada. “O prédio é a memória não só do Rio de antigamente, mas de como a Irmandade da Misericórdia – representante mor da Classe Médica carioca por séculos – cuidava e cuida das pessoas até hoje. Uma memória da medicina, de como ela era praticada, e da caridade que nos trouxe até aqui. Um prédio belíssimo, mas que tem função prática ainda mais bonita”, diz.
O tombamento do Complexo Hospitalar Nossa Senhora das Dores não implica sua desapropriação, mas sim na proteção de sua estrutura, beleza, função e história. Sob essa proteção, o imóvel não poderá mais ser demolido, e qualquer intervenção, como obras de manutenção, restauração, reforma ou alteração de uso, deverá ser previamente submetida à análise e aprovação do órgão responsável pela tutela do patrimônio. Um raro golpe na especulação imobiliária na Zona Suburbana.
Pena a prefeitura ter transformado o hospital em caps e os viciados estão roubando tudo no entorno. A memória do subúrbio vai acabar com tanta incompetência.