No dia 13 de maio de 1888 foi assinada a Lei Áurea, que proibiu a escravização de pessoas no Brasil. Embora nem sempre isso seja lembrado, essa luta foi de muita gente, para além da famosa assinatura. No meio disso tudo, dois dos maiores escritores do nosso país se destacam.
Antes de falar de Lima Barreto e Machado de Asssis, vale lembrar outros nomes e lutas fundamentais para que a Lei Áurea fosse assinada. Houve muita pressão anterior para que a canetada fosse, enfim, dada.
Na festa, Isabel foi exaltada pelo povo. Mas a abolição não foi uma ação benevolente da princesa e do Senado. Tampouco derivava apenas da exaustão do modelo econômico baseado no trabalho escravo, que precisava ser substituído pelo trabalho livre.
O fim da escravidão no Brasil foi impulsionado por diversos fatores, entre eles, uma importante participação popular. Cada vez mais escravos, negros livres e brancos se juntaram aos ideais abolicionistas. Sobretudo, na década de 1880.
As principais táticas eram a reunião em diferentes associações abolicionistas, a realização de eventos artísticos para angariar apoio, o ingresso de processos na Justiça e até o apoio a revoltas e fugas de escravos.
Na segunda metade da década de 1880, o abolicionismo pôs o Brasil em polvorosa. Ceará, Amazonas e algumas cidades isoladas já tinham se declarado livres da escravidão. Fugas e revoltas de escravos eram cada vez mais frequentes. Depois de fugir, eles tentavam chegar até quilombos e territórios já libertos. A polícia era convocada para reprimir, mas também passou a se rebelar. O chefe do Exército chegou a escrever para a princesa exaltando a liberdade e dizendo que não iria mais caçar escravos fugidos.
No Parlamento, os debates pela abolição pegavam fogo. Na Justiça, havia um número cada vez maior de ações para reivindicar a liberdade. Nas cidades, espetáculos artísticos eram seguidos de libertações massivas de escravos – no final, flores costumavam ser atiradas ao palco e o público saía aos gritos de “Viva a liberdade, viva a abolição”.
“Depois da abolição, aconteceram várias celebrações em torno da princesa Isabel. Parte dos abolicionistas, inclusive, associou a abolição à Coroa. Mas (a princesa) teve uma importância bem lateral”, fala a socióloga Angela Alonso, professora da Universidade de São Paulo e autora do livro “Flores, Votos e Balas”, sobre o movimento abolicionista. “Há vários líderes negros que foram muito importantes”.
Trecho da reportagem de Amanda Rossi e Juliana Gragnani, para a BBC Brasil, em 2018.
Entre esses vários nomes importantes, estão o advogado Luís Gama, que libertou (através da lei) muitas pessoas escravizadas. O engenheiro baiano André Rebouças, fundador da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Rebouças também defendia a reforma agrária para inclusão social da população negra. O jangadeiro Francisco José do Nascimento, apelidado de Dragão do Mar, era membro do Movimento Abolicionista do Ceará, primeiro estado a aderir, em 1884, à abolição da escravatura. Em 1881, Nascimento liderou uma greve e conseguiu paralisar o tráfico negreiro em Fortaleza por alguns dias. E também Adelina, a charuteira. Ela era considerada espiã. Escravizada, foi criada na Casa Grande, onde aprendeu a ler e escrever. Adelina enviava informações sobre os hábitos de escravistas e da polícia para uma associação de escravizados e com isso os ajudava a fugir. Isso sem contar com as mais citadas historicamente como as lutas de Dandara e Zumbi dos Palmares.
Com o passar dos anos, ficou claro o que muitos abolicionistas já citavam à época: a assinatura da lei não seria suficiente. Muitas outras ações se faziam necessárias. O resultado disso, enxergamos no racismo e nas desigualdades até hoje em dia.
Voltando aos escritores negros, Lima Barreto nasceu em um dia 13 de maio. Em 1888, ele tinha sete anos e festejou nas ruas a assinatura da Lei. Escreveu sobre: “Jamais na minha vida vi tanta alegria. Era geral, era total. E os dias que se seguiram, dias de folganças e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente (de) festa e harmonia”.
Lima Barreto também registrou: “Tinha entrado na consciência de todos a injustiça originária da escravidão. Mas como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis“.
Machado de Assis, por vezes acusado de ser um escritor que se envolvia pouco em pautas políticas e sociais, também estava no dia em que a Lei Áurea foi assinada. O escritor estava bem próximo de Isabel, como mostra a foto abaixo.
Foto: Reprodução BBC Brasil
“Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Todos respiravam felicidade, tudo era delírio“, disse o escritor.
Cinco anos depois, Machado recordou e escreveu: “Todos saímos à rua. Todos respiravam felicidade, tudo era delírio. Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto”. Não parece texto de alguém que não se envolve em pautas políticas e sociais, não é mesmo?