Roberto Anderson: A Leopoldina e o TAV

Desde o Império, a malha ferroviária brasileira veio recebendo investimentos, tendo crescido até 1957, quando atingiu 31 mil km

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Há muito tempo o Brasil fez uma opção equivocada pelo transporte rodoviário, em detrimento do transporte sobre trilhos. Os mesmos grupos de pressão que agiram para a quase extinção dos bondes no Rio de Janeiro, e em outras cidades, também atuaram para substituir o transporte, em longas distâncias, de passageiros em trens, por transporte em ônibus. O sistema foi sendo abandonado, perdendo qualidade e usuários, até parecer lógico fechá-lo. No Rio de Janeiro, entre várias linhas, desapareceram a ligação que circundava o fundo da Baía de Guanabara, a que levava a Mangaratiba, e a que servia a diversas outras cidades do Vale do Paraíba e da Região dos Lagos. Também deixaram de existir o trem Vera Cruz, para Belo Horizonte, o Santa Cruz, que ligava o Rio a São Paulo, depois renomeado como Trem de Prata, e o trem que ia para Vitória.

Desde o Império, a malha ferroviária brasileira veio recebendo investimentos, tendo crescido até 1957, quando atingiu 31 mil km. Depois foi abandonada, e desapareceram diversas ligações entre as cidades do país. Era possível, por exemplo, ir de trem de Bauru a Corumbá, no extremo Oeste do país, uma viagem belíssima que atravessava o Pantanal.

Apesar da malha ferroviária ter sido sucateada em muitíssimos trechos, o fim do transporte de passageiros por trens nem sempre significou o seu fim. A privatização da rede ferroviária no governo Fernando Henrique Cardoso privilegiou o transporte de cargas. Então, parte considerável da malha ainda existe e até foi ampliada, apesar de, com seus 30 mil km, ainda ser menor do que um dia já foi. Mas, o foco tem sido no transporte de cargas. As estações centenárias do caminho foram abandonadas, tendo sido muitas delas destruídas. Tal situação ainda perdura, mas há a possibilidade de começar a mudar.

Com o advento dos trens de alta velocidade, os TAV, a partir de 2007, a ligação entre Rio e São Paulo voltou a ser cogitada. No segundo governo Lula, a então ministra Dilma Roussef chegou a afirmar que o chamado trem-bala ficaria pronto para a Copa do Mundo de Futebol de 2014. A ligação entre as duas cidades se daria em 90 minutos. No Rio de Janeiro, o ponto de partida do TAV seria a Estação Barão de Mauá, também conhecida como Leopoldina, edifício histórico, projetado pelo arquiteto Robert Prentice e construído em 1926. Dali, anteriormente, partia a Linha Auxiliar da Central do Brasil e o antigo trem para São Paulo.

Por diversas razões, tal projeto não se concretizou. Mas ele não deixou de ser absolutamente estratégico para a Cidade do Rio de Janeiro. Um trem regular de alta velocidade ligando o Centro do Rio e o aeroporto Tom Jobim à maior metrópole do país é de suma importância para a economia carioca, e fluminense, e deveria ser encarado com a devida importância por governantes e por quem pensa o futuro da cidade.

Ocorre que o mesmo governo federal que ainda cogita a implantação desse sistema, repassou a estação Leopoldina à Prefeitura sem qualquer exigência de preservação da possibilidade que aquela estação um dia receba o TAV. No projeto anunciado pelo prefeito do Rio para a ocupação da área, o leito da antiga ferrovia seria ocupado pela Cidade do Samba 2, inviabilizando a chegada do TAV. É bom lembrar que, partindo desse local, os carros alegóricos precisariam dar uma volta imensa pela Área Portuária, já que não poderiam passar sob o viaduto ferroviário da avenida Francisco Bicalho.

Outras ocupações já vêm sendo realizadas no antigo percurso do trem e é bem provável que ele precisasse chegar de forma subterrânea na antiga estação. Mas, se a linha no trecho mais próximo à Leopoldina for edificada, nem mesmo o percurso subterrâneo seria viável. Não só esse trecho mais próximo precisaria ficar livre, como também alguma área para a manobra dos trens, mesmo que subterrânea.

O TAV parece um projeto relegado ao esquecimento, e é comum ver referências jocosas ao projeto na imprensa. Mas essa não é a realidade dos fatos. Em 2021 foi constituída a empresa privada TAV Brasil. Em 2023, ela recebeu da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a autorização para a construção e exploração por 99 anos do TAV Rio-São Paulo. O início da operação seria em 2032. Como o mesmo governo federal, que trabalha com a hipótese do TAV, anula a possibilidade de haver uma estação carioca para recebê-lo?

Talvez a resposta esteja no imediatismo das decisões de cunho exclusivamente financeiro. A Estação Leopoldina encontrava-se sob a responsabilidade do governo federal. Sucessivas ações exigindo a sua restauração haviam condenado a União a realizar tais obras. Um projeto chegou a ser encomendado ao escritório do arquiteto Rodrigo Azevedo. É aí que surge a proposta da Prefeitura do Rio de receber todo o imenso terreno da estação, comprometendo-se a arcar com os custos da restauração. Algum burocrata de Brasília deve ter considerado uma boa ideia se ver livre daquela obrigação.

A Estação Leopoldina já foi repassada à Prefeitura. Mas esta pode ser chamada à realidade para que perceba a importância de não inviabilizar o projeto do Trem de Alta Velocidade. Há terreno suficiente para a execução de projetos de interesse da Prefeitura, resguardando-se a possibilidade de que o TAV um dia chegue até à Leopoldina. O próprio prédio da estação tem andares suficientes para acomodar diversas atividades. Haverá cariocas com bom senso para convencer o prefeito?

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

12 COMENTÁRIOS

  1. Aqui no Rio, o trem teria que passar por outro trajeto ou então teria que atravessar favelas violentíssimas. E o hábito de invasão do leito dos trilhos, e os cracudos? Quantas passarelas? O Trem de parar tinha que parar por causa de invasão, de tiroteio.

  2. Precisamos de mais transporte ferroviário urbano e interurbano. O VLT precisa ser expandido, mas principalmente o metrô e o serviço da supervia para interligar melhor o Estado. Iniciar a ferroviarização interna é essencial para conseguir apoio popular para o modal ferroviário e aumentar a cobrança pelo transporte ferroviário internacional. Os chineses estão doidinhos e dispostos a fornecer toda tecnologia necessária para isso e aprofundar a parceria econômica bilateral.

    Não acredito que apenas a estação seja um problema tão grande que enterre o projeto. Com vontade política, a construção de novas estações vias de acesso seriam excelentes para o Rio somados ao projeto de revitalização da Leopoldina

  3. TAV, TMV, METRÔ, VLT E TRENS INTERCIDADES

    O RJ, Cidade/Capital e Estado, precisa voltar aos trilhos, de alta e média velocidades, metropolitanos, neobondes-vlts e trens intercidades/suburbanos.
    A reportagem, em tela, está enxuta e objetiva, dizendo o que tem que ser dito à aristocracia balneária e elite do atraso, corrupta e incompetente, que desgoverna o Estado do Rio de Janeiro há décadas.
    Os ônibus, municipais, intermunicipais e interestaduais são um atraso tecnológico e civilizatório, poluentes, inseguros e reféns do tráfego, cada dia mais complicado, nas nossas esburacadas, mal sinalizadas e obsoletas rodovias.
    Só que essa elite, e seus políticos lacaios, se deslocam em aviões, helicópteros e veículos rodoviários oficiais, sem quaisquer restrições e desrespeitando as leis do trânsito aéreo e/terrestre(ANAC/DENATRAN/DETRANS), portanto, deslocados de nós, o povo.
    “Tudo podem naquele que os fortalecem, o deus dinheiro”.
    A nós, o povo, vigem as leis, e todo o tipo de sofrimento, impostos para nos oprimir e subjugar.
    Ferrovias são a redenção da integração nacional e o exercício concreto, do nosso direito constitucional, de irmos e virmos, com conforto, praticidade, rapidez e segurança.
    Houve um tempo que esses políticos diziam que “governar era encurtar distâncias”, o que agora compreendemos que se referiam a distância entre o dinheiro e suas contas bancárias.
    A estação Leopoldina está arruinada e em escombros, bem como a sobrevivente Central do Brasil, decadente e sucateada, onde a Supervia jaz sobre o descaso, incompetência e corrupção generalizada.
    A entrega da Leopoldina, ao município do Rio de Janeiro, foi a pá de cal, no defunto insepulto, com o Lula servindo de agente funerário, e o Paes de coveiro, do nosso sonho de vermos a revitalização do trem Carioca-Fluminense, e não só a implantação dos TAVs.
    Paes sonha, dia e noite, com os bicheiros, donos-do-samba, com a esbórnia permanente, pseudo-turística, além de escancarar a cidade maravilhosa à especulação imobiliária e gentrificação, que está fazendo do “Porto Maravilha”, o bordel dos especuladores e construtoras de “apertamentos”, e ilhas artificiais de fantasias.
    São Paulo está nem aí para o RJ, e não moverá uma palha para o TAV interligar as duas metrópolis do Sudeste, pois preferem Campinas, Santos e quiçá a ligação ferroviária rápida com Curitiba/PR.
    O Brasil já deu sua cota de sacanagem, com o RJ, quando inventou Brasília e nos levou o DF.
    Só contamos conosco, quem sabe com um empurrão da China, mas antes precisamos aprender a votar e nos livrar desses políticos, capachos-do-atraso, que nos desgovernam e nos desprestigiam, o Rio de Janeiro, diante do Brasil e do Mundo.

    Marco Paulo Valeriano de Brito
    Enfermeiro-Sanitarista, Professor e Gestor Público

  4. Outra decisão mal sucedida da prefeitura as vésperas de uma eleição. Seria um desperdício, abandonar a ideia de trazer o TAV para o centro da cidade. Ele ficará em Santa Cruz ? Quem fez esse projeto não é do RJ, com certeza. Outro desperdício desnecessário, ilhas flutuantes? Por favor, alguém, visite os Arcos da Lapa; sujo, desbotado, fedorento, ….; o Passeio Público, sujo, fedorento, cheio de mendigos (alô, alô, Secretaria de ação social, ou coisa parecida), a passagem do VLT na área da Cinelândia, cheio de capim,….e por aí vai. Entra governo e saí governo, e , pelo menos a conservação do que já existe na cidade não fica eficiente. O turista que vê cidade a distância, pelas imagens públicas, assim que chega se decepciona. Por favor, pegue os milhões do projeto das ilhas e mantenha a limpeza e a conservação da cidade. E, outra coisa, coloque pessoas competentes e técnicas para a administra-la.

  5. Muito boa, interessante e elementos novos trazidos a público sobre essa questão da Leopoldina. Já fiz um comentário aqui sobre essa questão onde me manifestei totalmente contrário a esse projeto proposto pela Prefeitura. Parece que esta semana alguém já escreveu sobre isso. É bom ver que pessoas de bom senso começam a se manifestar a esse respeito. Dou só um exemplo dos absurdos do projeto da Prefeitura. Construção de um centro de convenções quando bem ali do lado, já existe um centro de convenções com um baita terreno ao seu lado que poderia ser usado para a sua expansão. Essa informação sobre o transporte dos carros alegóricos que não podem ou poderiam passar sobre o viaduto ferroviário da rua Francisco Bicalho já seria suficiente para inviabilizar tal iniciativa. Vamos torcer para que mais pessoas de bom senso e quiçá um imprensa mais comprometida com o melhor para o Rio pautem essas questões e quem sabe convencer o Senhor Prefeito que há alternativas melhores para essa área.

  6. É preciso dar nomes aos bois: foram os fabricantes de veículos a motor dos EUA e da Europa juntamente com as petroleiras gringas (Shell, Mobil, Exxon, etc) que fizeram lobby para desmantelar o sistema ferroviário no Brasil e substituí-lo por automóveis, ônibus e caminhões. O resultado foi uma elitização do transporte, encarecendo a vida e limitando o ir e vir da população de baixa renda. De quebra, o trânsito das cidades se transformou no caos que é, as cidades ficaram mais hostis e menos “humanas”, barulhentas e com ar poluído por uma fuligem tóxica que sai dos escapamentos. Os pequenos comércios de rua vão aos poucos desaparecendo. O que antes era uma região vibrante, se transformou em bairro fantasma – exemplo melhor é o Centro do Rio à noite.

    O mais triste disso tudo é que a maioria parece gostar dessa lógica, em que os grandes empresários comandam o mundo, pois a vida precisa ser pautada pelo lucro. Se uma atividade não gera lucro para um capitalista (entenda-se parasita), então é coisa de vagabundo e deve ser prontamente eliminada. A lógica do lucro incessante e sempre crescente é a nossa ruína.

  7. Assumindo que tenha TAV. Por que raios ele deveria ir à Leopoldina em vez de ir para a Central?

    Porque há 100 anos atras era assim não é exatamente um argumento forte. Leopoldina não tem metrô. Nem SuperVia.

    Faz MUITO mais sentido, se tiver um TAV algum dia, ele ir para a Central

  8. Vou um pouco além: A Cidade do RJ precisa ser pensada com um plano de transporte público integrado. Isso passa, a meu ver, de existir um organismo (seja empresa pública, autarquia ou seja lá o que for) que pense o transporte público integrando os modais rodoviário, ferroviário (incluindo metrô), hidroviário e aeroviários. A Estação Leopoldina, hoje, é acessível apenas por ônibus ou táxi (considero transporte por aplicativo equivalente a táxi). É preciso que haja uma ligação por metrô ou trem (ou pelo menos similar ao BRT que faz Terminal Gentileza x Galeão) para atender quem vai utilizar o TAV.
    Quando foi feita aquela gambiarra interligando as linhas 1 e 2 do metrô na Cidade Nova, segundo estudo do falecido Eng. Fernando McDowell para a Revista do CREA, o custo para concluir a linha 2, fazendo-se o trajeto original dela (continuando do Estácio, Catumbi, Cruz Vermelha, Carioca e Pça XV) era praticamente o mesmo que a gambiarra do Cabral. Naquela época, não houve uma pressão popular suficiente para tentar barrar essa aberração que hoje interliga as linhas 1 e 2. Se não houver pressão popular agora para barrar esse projeto na Leopoldina, depois será igual à gambiarra do Cabral: será sentar e chorar.
    Sou amplamente favorável à revitalização da Estação Leopoldina, mas sem abandonar o porquê de ela existir. O projeto da Prefeitura precisa ser revisado para que a gare da Leopoldina volte a receber trens e seja usado ao mesmo tempo para outros fins.

  9. cidade do samba 2 na Leopoldina e estadio do Flamengo no gasometro é claro que havera um no no transito,nao seria melhor um TAV. ligando Angra dos Reis a Compos, pois pela ponte aerea se chega a Sao Paulo mais rápido.obs.cada um no seu quadrado.

  10. Finalmente, uma matéria condenando essa desgraça desses malandros!!!! A Leopoldina é do TAV e o TAV é da Leopoldina…..e de trazer de volta as linhas para outras cidades. Espaço tem pra fazer em elevado é o mínimo de Subterrâneo seja via Tom Jobim ou via Barra e Guaratiba. Pra q mais uma cidade inútil do samba??? Que os contraventores donos da festa tire seus milhos gigantes dos bolsos e arranjem outro lugar pra fazer

  11. Sou a favor do TAV , TREM DE ALTA VELOCIDADE e que retorne a Leopoldina em sua nalga Ferroviária, seja por cima ou por baixo.
    E também pra outras regiões…
    Não precisa ter mais outra cidade do SAMBA, pra que?
    Espero que esse projeto da Prefeitura, não vingue em sua totalidade.
    E a minha opinião de leigo.

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