*Henrique Korman é advogado e Líder LIVRES
Medellín, na Colômbia, foi considerada a cidade mais violenta do mundo nas décadas de 80 e 90. Dominada à época por cartéis de narcotráfico, chegou a registrar 380 mortes a cada 100 mil habitantes nos anos 90. Mas, com transformações efetivas na sua estrutura social, a situação mudou bastante. Uma trajetória bem diferente vive o Rio de Janeiro, às voltas com os recorrentes problemas de violência e falta de controle territorial do estado. Afinal, por que não seguimos o mesmo caminho de Medellín?
Poderíamos, de fato, estar nos inspirando neles, como fizeram outras grandes cidades do mundo. Em função de suas políticas públicas inovadoras, Medellín se tornou não somente um lugar pacificado, mas também, e em conseqüência disso, muito mais seguro para a população. Os números demonstram isso: atualmente acontecem 13 homicídios a cada 100 mil habitantes, a menor taxa nos últimos 40 anos. Uma queda vertiginosa, fruto de um trabalho sério dos seus gestores em conjunto com a sociedade civil.
No entanto, o Rio de Janeiro parece ter parado no tempo. Ou melhor: só andamos para trás nos últimos anos. A constatação não é um mero exercício de pessimismo. Infelizmente, a realidade nos mostra uma grave crise de Segurança Pública, com mais da metade do território carioca (cerca de 57%) tomado pela milícia. E pior: existe um conflito iminente, com potencial trágico, entre grupos de narcotráfico, de um lado, e milícia, do outro. E, no meio desse cenário, um indefeso cidadão carioca.
Na verdade, precisamos ser justos. Houve alguns momentos, nos últimos 20 anos, em que olhamos para Medellín e, inspirados neles, adotamos projetos como o Favela-Bairro e o Morar Carioca; ou implementamos equipamentos de infraestrutura semelhantes ao da cidade colombiana, como o Bondinho do Alemão. Mas essas foram políticas públicas pontuais e isoladas que não geraram mais segurança e desenvolvimento socioeconômico, tampouco trouxeram paz para a nossa cidade.
O que devemos, então, aprender com Medellín para desenvolvermos um Rio de Janeiro diferente em termos de segurança pública? Na minha avaliação, uma mudança efetiva nesse sentido passa por três pontos: 1) valorização, a partir de projetos de urbanismo social, de territórios vulneráveis da cidade; 2) implementação de políticas públicas continuadas, com estratégias a longo prazo e participação ativa da sociedade civil; 3) reestruturação completa da Polícia.
Em primeiro lugar, vale mencionar que o urbanismo social se tornou um poderoso instrumento de pacificação de áreas vulneráveis em Medellín. A partir de projetos como as bibliotecas-parques e o MOVA (locais de formação continuada e gratuita, como centros de apoio aos educadores dos territórios), foram criados espaços de convivência como estratégia de se combater a violência.
Os dois casos são exemplos de políticas públicas renovadas ao após ano e adotadas tendo em vista um plano de longo prazo impreterivelmente respeitado. Ou seja: não foram resultado de planejamentos isolados, como foi o Bondinho do Alemão, por exemplo. Pelo contrário. Fizeram parte de um Projeto Urbano Integral (PUI), dentro de um conjunto de intervenções de urbanismo abrangentes e integradas em várias áreas da cidade de Medellín.
Essas ações contaram sempre com a participação ativa da população e ainda de um Conselho Presidencial – formado por especialistas de diferentes áreas, como gestores, empresários e acadêmicos. E foram fortalecidas, ao longo do tempo, e tratadas como prioridade pela gestão pública. Metas inegociáveis foram estabelecidas, com indicadores de desenvolvimento humano e econômico da cidade, a partir da implementação de metodologias e acordos participativos. Houve ainda a integração de miniplanos voltados para os bairros e comunidades.
Diante dessa estrutura ambiciosa, foram possíveis não só a adoção de projetos de impacto de urbanismo social, mas também toda uma reestruturação da Polícia e de políticas transversais, como nas temáticas de mobilidade, saneamento, educação e habitação. O resultado é uma Medellín com uma visão clara de futuro e com resultados positivos significativos coletados nas últimas décadas.
Também vale mencionar a completa reestruturação da Polícia como ponto de partida. Nesse caso, a mudança tem que ser de cima para baixo, com a renovação da equipe de comando e da corregedoria. As lideranças precisam ser pessoas éticas e capazes de liderar a organização interna, que atuará em consonância com as políticas públicas transversais de segurança a serem implementadas paulatinamente.
Afinal de contas, uma equipe de polícia mal-intencionada não prejudica apenas a dinâmica da organização, mas também alimenta o poder paralelo, como a milícia e o narcotráfico, permitindo que se espalhem pelo espaço urbano. Na cidade colombiana, isso foi identificado e alterado. Houve uma completa renovação das Forças Auxiliares, a adoção de estratégias atualizadas para enfrentamento do crime urbano, e uma nova governança se estabeleceu. A Polícia passou a ser subordinada também aos prefeitos.
Que o Rio aprenda essa lição finalmente. De nada adianta ter políticas públicas isoladas, que não tenham continuidade e que não estejam conectadas a um plano concreto de transformação urbana para a cidade. É nesse sentido que Medellín nos ensina que governança e visão de futuro são fundamentais no enfrentamento da milícia e do narcotráfico, em prol de um caminho de paz e mais prosperidade para a nossa cidade.