A região do Cais do Valongo, um dos pontos históricos mais resistentes da Pequena África, área que compreende os bairros do Centro, Saúde, Gamboa e Santo Cristo, se encontra no centro de um intenso debate que coloca em xeque o desenvolvimento econômico urbano frente à preservação de seu valor histórico-cultural. Recentemente, uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF) enviada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e à Prefeitura do Rio, trouxe à tona um embate que pode influenciar o futuro de uma das áreas com maior potencial construtivo do Rio.
O MPF solicitou a suspensão de dois ambiciosos projetos imobiliários da empresa Cury Construtora e Incorporadora S/A na região do Cais do Valongo. A construção planejada de dois edifícios de 30 andares cada, com 90 metros de altura, enfrenta resistência do órgão fiscalizador devido ao potencial impacto na integridade paisagística e histórica do sítio arqueológico. O Cais do Valongo, redescoberto em 2011 durante as escavações para o projeto Porto Maravilha, representa um testemunho vívido do tráfico transatlântico de africanos escravizados, sendo inscrito pela UNESCO como Patrimônio Mundial. O local foi um ponto de desembarque e comércio de pessoas negras escravizadas nas Américas, operando até 1831, quando foi proibido o tráfico transatlântico. Ao longo de duas décadas, estima-se que entre 500 mil e um milhão de indivíduos foram desembarcados no local.
O embate ganha complexidade diante das diretrizes do Plano Diretor, sancionado pela prefeitura para incentivar o desenvolvimento urbano com foco na revitalização da Região Portuária. O plano estabelece a densificação e o aumento do gabarito para até 90 metros de altura, visando atrair novos moradores e atividades econômicas para uma área historicamente degradada. O prédio proposto pela Cury estaria dentro do permitido. É importante ressaltar que o projeto Porto Maravilha já incluía a construção de edifícios altos na região apontada, como a sede da L’Oréal e o Edifício Vista Guabara. Essas estruturas são vizinhas do Cais do Valongo e foram alguns dos primeiros empreendimentos corporativos a se estabelecer na área, beneficiados pelos incentivos públicos para desenvolver a região.
A candidatura do Valongo como patrimônio da humanidade junto à UNESCO considerou o adensamento da região. O crescimento urbano visa promover maior integração do sítio arqueológico com outras áreas da cidade.
Para Marcelo Haddad, presidente da associação Aliança Centro, a preservação do patrimônio cultural não deve impedir o desenvolvimento sustentável da região. “Dar longevidade saudável a um local histórico implica em torná-lo visível, acessível e frequentado por visitantes que serão seus maiores guardiões. A região portuária em especial, sofreu com décadas de esvaziamento e abandono que aos poucos estão sendo revertidos com incentivos para construções que tragam novos moradores. Associar a preservação do patrimônio ao desenvolvimento da região portuária, que precisa das atividades econômicas dos moradores e empresas para sair do abandono de décadas, exigirá sabedoria e bom senso das autoridades, conciliando a necessária instalação de novas infraestruturas e construções para avançarmos numa região cultural e economicamente próspera” destaca Haddad.
No entanto, o MPF, representado pelos procuradores Sergio Suiama e Jaime Mitropoulos, argumenta que a construção dos novos edifícios poderia comprometer a ambiência e a visibilidade do sítio arqueológico do Cais do Valongo e das Docas Pedro II (recém batizado como Galpão da Cidadania). Segundo eles, a UNESCO estabeleceu diretrizes rigorosas para a preservação do local, incluindo a realização de avaliações de impacto antes da aprovação de novas intervenções.
O prédio em questão está projetado para ser construído em um terreno de 9,3 mil metros quadrados, onde funcionava a antiga maternidade Pro Matre, inaugurada em 1919. O terreno estava sem uso desde o final de 2009, quando a maternidade encerrou suas atividades. Foi adquirido pela Cury em 2022 por cerca de R$ 6,3 milhões. A construtora planeja erguer um condomínio com 400 apartamentos e lojas no térreo. O projeto é amplamente considerado uma excelente iniciativa para o ressurgimento orgânico desta área do Porto do Rio. Integrando residências e lojas, a proposta de fachada ativa não apenas melhora a qualidade de vida dos moradores, mas também enriquece o ambiente urbano para pedestres. O modelo se alinha com as diretrizes do novo Plano Diretor, aprovado pelo prefeito Eduardo Paes em janeiro, que oferece incentivos significativos para empreendimentos que adotem a fachada ativa, especialmente quando a área comporta uma combinação de residências e comércios.
Leonardo Ribeiro, presidente do Distrito Empresarial do Porto do Rio de Janeiro, enfatiza a importância de um equilíbrio entre preservação cultural e desenvolvimento econômico. “Entendemos que a preservação cultural e arquitetônica da região portuária, especialmente do Cais do Valongo, é de extrema importância. Estamos acompanhando os desenvolvimentos e avaliando os possíveis impactos em conjunto com todas as partes interessadas. Nosso objetivo é sempre encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento sustentável e a preservação do patrimônio histórico.”
Recentemente, o lançamento do Sal Rio, um residencial próximo à Pedra do Sal, exemplificou uma integração bem-sucedida entre desenvolvimento imobiliário e preservação histórica. Adaptando um antigo prédio ao lado de um local histórico de rodas de samba, o projeto manteve a essência do patrimônio local enquanto impulsionava a revitalização e o engajamento da comunidade.
Isso ai, melhor deixar o Centro igual um favelão cheio de cracudo. Ótimo trabalho meus queridos servidores públicos.
É possível construir grandes prédios e manter preservado o cais. Contudo, vale relembrar que até 2011 ele era enterrado, eu acho uma grande hipocrisia do MP e IPHAN, esses órgãos estão atrapalhando o desenvolvimento desta área.
Embargam a obra, invadem o prédio abandonado até acontecer uma tragédia no prédio invadido. Parece que as autoridades preferem um bairro degradado a um revitalizado.
São paredões, cujas frentes ficaram disponíveis para os escolhidos e para a pobrada, fica o muro. Qualquer semelhança disso com as placas de acrílico da linha vermelha para esconder os barracos da Maré é…deixa pra lá. Bora boiada….
Que palhaçada, passem as escavadeiras sobre essas ruínas que de nada nos servem, que venha o progresso. O que passou passou.
Para com isso MINISTÉRIO PÚBLICO!
Acredito nesse projeto de revitalização com consciência e acredito que os Srs. não deveriam embargar essa revitalização.
Atualmente essa área está sendo revitalizada, ficando mais aprazível e valorizada e com isso quem ganha é a população.
Vocês só ficam decidindo o que fazer o que pode e o que não pode e não conseguem enxergar o fracasso e o caos que essas decisões criam, deixando de gerar visibilidade para o bairro, o Rio de Janeiro, a população e a criação de empregos.
Por favor MPF!
Reparem no cinismo das pessoas: essa gente, empresários e seus apoiadores pseudo nacionalistas, que se diz patriota e defensora da nação (uma ladainha cínica e irritante que me provoca ânsia de vômito) adora a Europa e vive tecendo loas às cidades de lá, e justamente por quê? Pois lá as cidades são preservadas, em todos os sentidos, inclusive no arquitetônico. Uma rápida olhada nas fotos das cidades mostra que, em sua parte histórica, é raríssimo encontrar prédios muito altos que possam descaracterizar o estilo arquitetônico que se quer preservar. As construções mais modernas (e mais altas) ficam nas áreas novas, e pode-se claramente observar a parte antiga e a parte nova de qualquer cidade. A isso se dá o nome de PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO ARQUITETÔNICO e CRESCIMENTO ORDENADO, coisas que os cínicos daqui só fingem defender.
Pois bem, e aqui no Brasil, qual o modus operandi desses pseudo patriotas (que adoram tanto a Europa – e os mais toscos e cafonas os Estados Unidos)? Exatamente o contrário! Querem botar tudo abaixo e erguer no lugar esses mastodontes horrorosos de concreto, economizando em tudo para baratear a construção e depois vendendo o produto final a preços abusivos, engordando ainda mais suas já bojudas contas bancárias (muitas delas, inclusive, escondidas no exterior). É a lógica do lucro e do enriquecimento sem limite. E o que fazem com seus (indecentes e criminosos) lucros? Vão passear na Europa, onde tudo é preservado, e as áreas antigas guardam sua “maravilhosa e inspiradora aura clássica”, pelo qual eles tanto suspiram. Esses embusteiros gostam de cidade preservada lá, porque aqui o que eles gostam mesmo é de passar o trator por cima de tudo (e de todos), pois isso representa “oportunidades de negócios”.
Todo o meu desprezo e minha revolta contra essa canalhada imunda.