Roberto Anderson: Viajar é bom

Viajar é muito bom. Mas exige coragem. Coragem para ir em direção ao menos conhecido

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Foto: Roberto Anderson

Viajar é muito bom. Mas exige coragem. Coragem para ir em direção ao menos conhecido. Menos conhecido porque no mundo atual, já escrutinado em todos os seus quadrantes por milhares de viajantes, e cujas imagens nos chegam a todo momento, praticamente já não há o desconhecido. Coragem também para enfrentar os mais diversos quartos de hotéis, às vezes impessoais, apesar de algumas maravilhosas surpresas. E coragem para deixar a própria casa, o sofá, as plantas, que algum amigo irá regar, ou o animal de estimação, que se não tiver quem cuide, terá que ir para aquele hotel para pets.

Atualmente, viagens se apoiam em aplicativos de localização, de indicação dos melhores roteiros e trilhas, e das melhores atrações. Tudo isso dependendo do bom funcionamento das conexões de Internet. Há quem sempre esteja conectado, seja por poderosos provedores, seja por conexões via satélite. Mas boa parte dos viajantes ainda se move entre ilhas de conexão. A dos hotéis, a dos restaurantes e cafés, onde o primeiro pedido é a senha do Wi-Fi, e a de bibliotecas e museus. Fora isso é desconexão, incapacidade de recebimento de mensagens no momento em que são enviadas, abstinência saciada com sofreguidão a cada conexão alcançada.

Apesar da profusão de fotos disponíveis de todos os lugares, há sempre um ângulo novo e inusitado a ser descoberto. Mesmo os lugares mais visitados e fotografados só ganham concretude e compreensão para quem os visita quando se está ali, no instante em que, com os próprios olhos, se observa aquilo que tanto se queria visitar. Fotos ajudam a captar, mas a verdadeira apreensão do lugar só se dá com o auxílio de todos os sentidos, quando, então, imagens e sensações se inscrevem na memória. Memória essa que depois pode ir se enfumaçando, boa parte daquilo que um dia se viu ir se apagando, e acontecendo a misteriosa seleção do que jamais será esquecido. Um jamais limitado ao tempo da plena consciência que a vida a todos reserva.

Antes de tudo, há a parte prática da reserva das passagens, dos hotéis e pousadas, e dos eventuais guias. Mesmo quem se joga de forma mais aventureira dificilmente se livra de alguma preparação prévia, uma reserva de voo que seja. Reservas que exigem paciência, organização e, às vezes, até buscas noturnas pelas melhores ofertas.

E tem a mala. A mala, a mochila, o necessaire, as sacolas com as compras que vão se acumulando e tudo o mais que se carrega. Já não há a frasqueira com os cremes e a maquiagem, mas há o celular, o carregador, a pochete dos dólares, o caderninho de notas, a impressão das passagens para quem confia pouco no digital…

Fazer a mala é uma arte. No início, ainda em casa, ela é feita até com certa calma. Os mais metódicos realizam essa tarefa com dias de antecedência. Mas, em meio à viagem, a mala é feita meio às pressas porque há o horário do check-out do hotel, o horário do trem, do ônibus ou do avião. São tantos prazeres numa viagem, tantas emoções e coisas importantes a serem lembradas que é preciso relegar as tarefas mais simples ao piloto automático.

Aí, quando chega a hora de relaxar um pouco, após o embarque, já dentro do trem ou do avião, vem a importunação da dúvida sobre o item que pode ter ficado esquecido no hotel. E ela pode acabar com o sossego do viajante. A escova de dentes foi guardada? As sandálias estão na mala? O carregador do celular não ficou para trás, espetado na tomada, que em muitos quartos de hotel é num lugar escondido atrás de uma mesa, justamente para provocar o esquecimento? Donos de pousadas devem ter um negócio paralelo de comercialização de carregadores esquecidos.

A dúvida só se dissipa na abertura da mala na escala seguinte. Em geral, o item que se imaginava deixado para trás está ali, bem guardado. O piloto automático ainda funciona bem e a viagem pode prosseguir. Mais caminhadas exaustivas, novos conhecidos pelo caminho, perrengues diversos, o medo do assalto, mas sempre a delícia de novas descobertas. Boa viagem.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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