Santa Casa do Rio anula cobrança de “honorários”: advogado cobrava R$127 milhões por 6 meses de trabalho

Ex-advogado da instituição cobrava na Justiça R$ 127 milhões por apenas 6 meses de trabalho e acabou condenado pelo TJRJ a pagar 12,7 milhões. Baseando-se em contratos assinados por Dahas Zarur - que saiu preso da instituição em 2013 - tentou cobrar mais de 200 milhões de reais da instituição filantrópica

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Visão Aérea da Santa Casa da Misericórdia
Complexo histórico da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, fundada em 1582, na rua Santa Luzia, no Centro do Rio / Foto: Leonardo Martins - Instagram @meurioeassim

A nova gestão da histórica Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro conseguiu anular uma decisão judicial da 8ª Vara Cível da Capital que premiava um ex-advogado da instituição, Alexandre Barreira de Oliveira, com astronômicos 127 milhões de reais de honorários. O impressionante valor era cobrado por menos de 6 meses de serviços prestados – de advocacia de partido – à irmandade católica proprietária do mais antigo hospital da cidade. O caso foi revelado pelo jornalista Ancelmo Gois. A instituição que existe há 442 anos hoje conduz uma grande transformação administrativa, pelas mãos do provedor Francisco Horta, que mudou a gestão jurídica, administrativa e imobiliária da antológica organização fundada pelo padre José de Anchieta.

Barreira foi advogado da antiga gestão da instituição filantrópica, num período que foi marcado pela controversa administração do ex-Provedor Dahas Chade Zarur, que acabou preso e afastado da Santa Casa em decorrência de diversos escândalos de corrupção envolvendo o patrimônio imobiliário e verbas de projetos sociais da quadricentenária irmandade carioca. Zarur, que foi empregado da entidade e chegou ao cargo de provedor (presidente) fez vendas do mesmo imóvel para duas e até três pessoas, e seu nome virou sinônimo de erro e bandalheira.

Alexandre Barreira foi contratado pela Santa Casa em 05/04/2013, apenas 4 meses antes da prisão e do afastamento do provedor Zarur, tendo o seu contrato sido rescindido no dia 14/10/2013, por iniciativa do seu sucessor, o provedor Luís Fernando Mendes de Almeida, que sucedeu Zarur após sua prisão. Com a rescisão, o advogado acionou a justiça reivindicando nada menos que a soma das mensalidades futuras do seu contrato, que previa uma prestação de serviços por 10 anos pelo valor aproximado de 150 mil reais por mês (levando em conta o número de processos em abril de 2013), obtendo uma inesperada sentença favorável na 8ª Vara Cível da Capital, cujo titular é juiz Paulo Roberto Correa, conhecido por ter proferido decisões polêmicas envolvendo o Clube de Regatas Vasco da Gama, seu time do coração.

O novo departamento jurídico da Santa Casa, liderado pelo advogado Maurício Osthoff interpôs um recurso contra a inusitada decisão e obteve o reconhecimento em segunda instância do grave prejuízo causado contra o patrimônio da Santa Casa da Misericórdia pela condenação, anulando, assim, o suposto débito milionário. “Trabalhar menos de 6 meses e querer receber honorários de 10 anos cobrando pelos processos futuros como se existissem hoje, é como se as galinhas resolvessem cobrar pelos ovos que ainda não puseram”, brinca o Mordomo dos Prédios – nome dado ao diretor de patrimônio da instituição quadricentenária – Cláudio André de Castro.

A precisa decisão dos Desembargadores do TJRJ reconheceu a ausência dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade do título executado por Barreira, trazendo luz aos equívocos originários e provendo o controle jurisdicional adequado ao caso concreto“, afirmou Osthoff ao DIÁRIO DO RIO. O advogado é especializado em gestão de crise em grandes instituições, e tem escritório na Avenida Rio Branco e também na capital paulista.

“Foi apanhar lã e saiu tosquiado”, brinca Castro. É que depois do tribunal ter revogado a sentença que dava a Barreira os 127 milhões, os desembargadores acabaram condenando o advogado a pagar nada menos que 12,7 milhões de reais. Mas o ex-aliado de Dahas Zarur – dono do sobradinho número 13 na Travessa do Comércio, onde morou Carmem Miranda, que ficou célebre após desabar há algumas semanas – não se resignou e recorreu ao Superior Tribunal de Justiça procurando reverter o retumbante fracasso. Para tanto, contratou o conhecido advogado Paulo Salomão, sobrinho do Ministro Corregedor Luís Felipe Salomão, que recentemente recebeu críticas do Ministro e Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Luís Roberto Barroso, que alegou excessos em algumas decisões contra juízes que atuaram na Lava Jato.

O novo jurídico da Santa Casa da Misericórdia busca agora a anulação de um segundo crédito cobrado pelo mesmo Alexandre Barreira, de mais 90 milhões de reais, estes supostamente devidos por outro contrato de advocacia civil, que também teriam sido prestados à gestão Zarur. Da mesma forma, o contrato foi cancelado, e “o advogado tenta cobrar todas as prestações futuras, mesmo sem saber quais seriam os processos do futuro”, diz Castro. Segundo informações obtidas pelo DIÁRIO, o mesmo advogado ajuizou processos semelhantes contra outras instituições, como Universidades e Clubes de Futebol.

A nova gestão da SCMRJ tem incansavelmente buscado – além do esforço de implantação e aperfeiçoamento da governança associativa – uma série de alternativas para afastar o cenário de insustentabilidade institucional que lhe foi legado pela desastrosa gestão do Provedor Zarur”, afirma Cláudio, que frisa que o procedimento de concentração das execuções foi uma das maiores vitórias da nova gestão capitaneada pelo juiz Francisco Horta, que vem tratando da redução e dimensionamento dos excessos de passivos ajuizados, e reposicionamento de ativos estagnados, assim como a diversificação das fontes de receita, e maximização destas fontes. Horta – que já presidiu o Fluminense na época da Máquina Tricolor – montou um time novo que vem atuando neste sentido, buscando recuperar a irmandade que conta com 181 irmãos.

Um novo inventário do patrimônio imobiliário vem sendo organizado pela instituição, assim como uma ampla revisão dos contratos vigentes não só na área dos imóveis como em todas as áreas da instituição, na tentativa de aumentar as receitas e reduzir as despesas, enxugando e profissionalizando a administração. A Santa Casa opera ainda vários hospitais, asilos e educandários especializados em atender a população mais necessitada.

Na foto principal desta matéria, observa-se o imenso complexo hospitalar da Santa Casa, com o Hospital Geral e seus pátios e construções. Ao fundo, fica a Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso. O click é do instagram @meurioeassim, do Fotógrafo Leonardo Martins.

Quem foi Dahas Chade Zarur

Dahas Zarur, controverso personagem que também atuava como advogado, assumiu o cargo de provedor do hospital, equivalente à posição de presidente, em 2004. Ele foi afastado cargo desde agosto de 2013, após ser investigado por fraudes relacionadas à venda de imóveis e sepulturas. Esses casos foram objeto de denúncias em reportagens em toda a mídia brasileira e no programa “Fantástico”, da TV Globo. Zarur fazia parte da entidade há 60 anos, tendo iniciado sua trajetória como escrevente. Em julho de 2013, foi reeleito pela irmandade, pouco antes de ser afastado por determinação judicial. Em agosto do ano anterior, a Delegacia Fazendária, em uma operação conjunta com o Ministério Público, cumpriu 16 mandados de busca e apreensão em dois imóveis de Zarur, em 13 cemitérios e na administração da Santa Casa, conforme ordem da então juíza da 20ª Vara Criminal, Maria Elisa Peixoto Lubanco.

Durante seu longo período como provedor, Zarur acumulou um patrimônio significativo, principalmente na área considerada mais nobre do Leblon, incluindo a Avenida Delfim Moreira e a Rua General Artigas, na quadra da praia. Uma análise das certidões de registro de imóveis de Zarur nos 20 anos anteriores à sua morte revelou uma quantidade significativa de imóveis vendidos por ele no Centro. Um único comprador adquiriu sete propriedades no mesmo dia: 30 de dezembro de 2008. Um exemplo é o prédio localizado no número 340 da Rua Buenos Aires, que, segundo o 6º Distribuidor, foi vendido por Zarur como se fosse de sua propriedade. Ele alegou desconhecer a negociação, afirmando que o imóvel pertence à Santa Casa e gera renda de aluguel. Legou farto patrimônio imobiliário aos seus herdeiros; o patrimônio do espólio de Zarur, que faleceu em novembro de 2014, é até hoje perseguido em ações judiciais diversas ajuizadas por quem acabou comprando imóveis da instituição em seu período de provedor; Zarur teria chegado a vender o mesmo imóvel para 3 pessoas. Nos processos, alegava quase sempre que as assinaturas eram falsas. A Santa Casa sofre até hoje as consequências de sua gestão, considerada desastrosa.

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