A Primavera em esculturas nos parques do Rio de Janeiro

As homenagens e as obras sobre a Primavera no Rio de Janeiro, William Bittar conta em seu texto

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Bougainvilles ou primaveras Acervo Particular

A Primavera de 2024, cá no hemisfério Sul, começa exatamente às 9h44 do dia 22 de setembro. Por aqui, as diferenças entre estações são muito menores do que ocorre em tantas outras regiões e a esperança dos parques cobertos de flores está nos romances do século XIX, tanto pelo clima como também por hábitos pouco civilizados que prejudicam a floração de jardins nos espaços públicos.

Ainda assim, girassóis, orquídeas, hortênsias, violetas e, principalmente, rosas, insistem em brotar e invadir o concreto das cidades para colorir o cinza e perfumar o ar.

Ipês, desde agosto, anunciam a transição para nova estação, aguardando a companhia dos bougainvilles, árvore nacional batizada por um francês em 1790, que se confunde com a própria Primavera, ao som de Vivaldi, Beethoven, as valsas de Chopin e Tchaikowsky,  a música de Vinicius de Moraes e Carlos Lyra,  exaltando as flores.

Em tempos digitais, talvez apenas dancinhas no tik-tok ou postagens oportunistas de influencers registrem a data para angariar likes monetizados.   No entanto, há algumas décadas, era celebrada com encantamento, incluindo a realização de eventos próprios como os Jogos da Primavera, idealizados por Mario Filho e patrocinado pelo Jornal dos Sports entre as décadas de 1950 e 1970. Havia competições entre clubes, colégios e até mesmo concorridos desfiles com a presença maciça de público e estudantes no Maracanã, amplamente noticiado nos periódicos.

02 Jogos da Primavera A Primavera em esculturas nos parques do Rio de Janeiro
Desfile dos Jogos da Primavera no Maracanã, 1963
Acervo Revista Manchete

A Astronomia assinala o equinócio de Primavera, registrando o fim do inverno, quando o sol incide na região do Equador provocando a mesma duração dos dias e noites.

As Artes sempre reverenciaram a grega Clóris ou a romana Flora, divindades que manifestavam a própria Primavera para a Antiguidade: música, pintura, poesia, escultura, em diversas representações.

Algumas poucas praças ou parques da cidade do Rio de Janeiro, cenários ideais para celebração da Primavera, ainda ostentam esculturas que representam tão significativa estação, desde o século XIX, como o Passeio Público, Campo de Santana e a Praça Paris.

O Passeio Público do Rio de Janeiro surgiu no final do século XVIII, através do aterro da lagoa do Boqueirão nas imediações do morro de Santa Teresa. O projeto da sua versão original foi desenvolvido pelo Mestre Valentim, atendendo à iniciativa do Vice-rei Luís de Vasconcelos, inspirado no Passeio Público de Lisboa.

Atendendo ao repertório vigente, o jardim adotou como referência os jardins franceses, com suas alamedas geométricas e um tratamento plano para os elementos vegetais.

Devido às precárias condições em que se encontrava no Segundo Reinado, D. Pedro II contratou os serviços do engenheiro civil e botânico francês, Auguste Marie Glaziou, personagem da maior importância para o paisagismo nacional para sua modernização.

Entre suas realizações estão a reforma do Passeio Público, em 1864, utilizando uma linguagem romântica, inspirada nos jardins ingleses e o projeto para o Campo de Santana, um grande parque nos limites do núcleo urbano colonial.

Nos caminhos sinuosos do novo Passeio Público vários elementos artísticos foram preservados, como as pirâmides de granito criadas por Valentim e outros incluídos como pontes imitando troncos, bancos, quiosques, estátuas, incluindo um grupo de quatro peças de metal, trazido de Paris, representando as estações do ano. Essas esculturas foram criadas por Mathurin Moreau e fundidas no Val d’Osne, em 1860. Lá está a Primavera.

03 Passeio Publico A Primavera em esculturas nos parques do Rio de Janeiro
Escultura “A Primavera”, no Passeio Público. Acervo Particular

O Campo de Santana, antigo Campo de São Domingos, da Aclamação e da Honra é também conhecido como Praça da República. Trata-se de amplo parque projetado pelo mesmo Glaziou entre 1873 e 1880, composto por grandes gramados, arborização com espécies exóticas e nacionais, pequenos córregos, lagos e grutas artificiais, além de peças artísticas dispostas por seus caminhos sinuosos conforme a influência dos jardins ingleses. Com o tempo, pequenos animais se integraram àquele bucólico e pitoresco cenário onde ainda circulam gansos, cutias e até pavões, nem sempre livre da sanha de humanos predadores.

Na República, o parque recebeu, em 1906, quatro novas esculturas representando as estações do ano, criações de Paul Jean Baptista Gasq (Inverno e Verão) e o premiado escultor francês Gustave Frédéric Michel (Outono e Primavera).

Na década de 1940, com a abertura da Avenida Presidente Vargas, teve sua área original drasticamente reduzida e algumas esculturas remanejadas.  Ao longo do século XX, surgiram alguns projetos para aquele parque, marco na história da cidade, incluindo a implantação de um grande estacionamento no local. Diante de ameaças como essa, o conjunto foi tombado definitivamente pelo antigo Estado da Guanabara, em 1968.

A poucos metros do Passeio Público, descendo pela Avenida Augusto Severo, foi implantada, em 1926, sobre uma área de aterro, durante a gestão de Antonio Prado Júnior, a Praça Paris.

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Escultura “A Primavera” no Campo de Santana Foto William Bittar

Essa praça, idealizada pelo urbanista Alfred Agache, responsável por um plano diretor que levou seu nome, reproduzia um jardim parisiense, refletindo o deslumbramento da então capital federal pela influência francesa.

Diferente dos jardins ingleses, utilizava caminhos geometrizados, vegetação baixa e grandes perspectivas, por vezes valorizadas por espelhos d’água e peças escultóricas, colocadas ao longo dos anos.

            Segundo a documentação oficial, quatro esculturas de mármore, representando as estações do ano foram ali implantadas desde sua inauguração, inspiradas em modelos existentes nos jardins de Versalhes, denominadas Circe, de Magnier e Winter, de Baptiste Theodon. Entre elas está a representação da Primavera.

            A Praça Paris, devido à sua beleza, foi objeto inclusive de diversos cartões postais da cidade. No entanto, toda a área foi devastada com as obras do Metrô, a partir da década de 1970 e só foi recuperada em 1992, recebendo gradis para evitar sua depredação.

            Assim como outras áreas públicas da cidade, a praça se encontra abandonada, com desaparecimento de gradis, luminárias, destruição de esculturas gerando insegurança para seus possíveis frequentadores.

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Alegoria “A Primavera”, na Praça Paris
Acervo Particular

Alegoria “A Primavera”, na Praça Paris

Acervo Particular

            Astronomia, Música, Poesia, Pintura, todas são pródigas na exaltação da Primavera. Esculturas a celebram em alguns parques e praças do Rio. Na verdade, ela insiste em se apresentar nas cores, nas flores, mesmo que surjam nas frestas do asfalto ou do concreto, das cinzas das queimadas, um recado mudo da eloquente Natureza.

Afinal, É Primavera!, cantava Tim Maia.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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